Uma das coisas que mais contribui para que o “mundo do vinho” – seja lá o que isso for – seja considerado hermético e snob é a forma como os auto-proclamados críticos falam sobre aquilo que provam.
Escrevem, para um consumidor que só quer saber se eventualmente vai gostar de uma garrafa, sobre o tempo de estágio em cimento, em inox ou em madeira; referem aromas que podem ir de frutos vermelhos (ok!) até chá da vertente norte dos Himalaias ou flores nascidas em noite de lua cheia (sim, estou a exagerar); dissertam sobre as formas de maceração das uvas, estágios e demais processos sem explicar em que é que isso se pode refletir – ou não – nos vinhos. O que é muito importante – sobretudo para quem trabalha no setor ou é estudioso – mas que é relativamente irrelevante para 90% dos consumidores.
Uma enóloga americana, Maggie Harrison, que atribui à sua sinestesia (uma condição neurológica que leva a que se interprete de formas diferentes os sinais percebidos pelo sistema sensorial, percecionando vários sentidos de uma só vez) uma forma muito curiosa de fazer os muito bem cotados vinhos que produz no Oregon, defende que o vinho é uma construção cultural e não natural – os seus vinhos são adjetivados por quem os prova como sendo verdadeiras amostras de arte. Dizem que fazem ver cores, que se sentem emoções diferentes quando se bebe um Pinot Noir de Harrisson do que quando se bebe um Pinot Noir de outro qualquer produtor.
Não faço ideia se será verdade ou não – terei de conseguir experimentar um para poder ter opinião – mas há algo que faz sentido nas palavras de Maggie e que nos ajuda e perceber também que o “mundo dos vinhos” nunca poderá ser tão elitista quanto muitos querem fazer dele.
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https://visao.pt/exame/garrafeira/2023-07-05-vinhos-sao-cultura-ou-sao-natureza/
É óbvio que o vinho tem uma componente cultural fortíssima. Por mais que produtores e enólogos defendam que os seus vinhos são “expressão máxima do terroir” onde são feitos, a verdade é que todos eles tentam, de alguma forma, responder às exigências do mercado – sem consumidores não há vinho.
A tendência de vinhos com mais ou menos madeira (quando passam por um estágio em barricas), de vinhos com mais ou menos álcool, de vinhos com mais ou menos cor está sempre a responder àquilo que os consumidores desejam – a fatores culturais. Mesmo o facto de haver pessoas que gostam mais de vinhos leves, ou mais estruturados, ou com mais acidez ou com mais taninos terá, sempre, a […]