Os agricultores continuam mobilizados em ações de protesto um pouco por toda a Europa, apesar das cedências de Bruxelas e de outras capitais, numa vaga de contestação que também está a fazer ‘aquecer’ a pré-campanha para as eleições europeias.
Embora os protestos tenham esmorecido significativamente em França e na Alemanha, onde se registaram as maiores ações de luta no início de uma contestação que se alastrou pela União Europeia (UE), as estradas de vários Estados-membros, de Portugal à Bulgária, continuam a testemunhar bloqueios e marchas lentas de tratores, com a ‘revolta’ dos agricultores particularmente visível em países como Espanha, Itália, Grécia e Países Baixos.
As reivindicações dos agricultores europeus são de diversa ordem, e nem as recentes cedências, tanto por parte da Comissão Europeia, como de vários Governos nacionais, tiveram o condão de pôr fim à contestação, que chegou a Estrasburgo, França, onde decorre esta semana uma sessão plenária do Parlamento Europeu, na qual já é possível verificar que o fenómeno entrou definitivamente na agenda política, a cerca de quatro meses das eleições europeias (agendadas de 06 a 09 de junho).
Precisamente no hemiciclo de Estrasburgo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou na terça-feira que vai retirar a proposta da instituição visando reduzir para metade o uso de pesticidas na agricultura até 2030, peça central da legislação ambiental europeia, que não resistiu assim aos protestos dos agricultores.
Discursando no Parlamento Europeu enquanto no exterior centenas de agricultores se manifestavam, Von der Leyen admitiu que a proposta tornou-se “um símbolo de polarização”, razão pela qual decidiu deixá-la ‘cair’, no que constitui mais uma cedência de Bruxelas com vista a serenar os ânimos dos agricultores.
Na semana passada, o executivo comunitário já propusera uma derrogação parcial das obrigações de retirada de terras da produção e uma limitação das importações ucranianas, dois dos principais motivos de protesto, ao mesmo tempo que prometeu “simplificar” a Política Agrícola Comum (PAC) e reconheceu que não estão reunidas as condições para a conclusão do acordo comercial UE-Mercosul, outra das razões de descontentamento do setor (sobretudo em França).
Também a nível nacional, vários Governos têm tentado ir ao encontro das reivindicações dos agricultores com a adoção de uma série de apoios ou revertendo decisões mais contestadas – como o fim de benefícios fiscais -, mas muitos agricultores dos mais diversos países consideram que as medidas ainda são “insuficientes” e prometem continuar a luta, com grandes concentrações previstas nos próximos dias em Roma e Atenas, por exemplo.
Com as eleições europeias no horizonte, diferentes partidos e famílias políticas tentam sem surpresa capitalizar o descontentamento dos agricultores, e, na terça-feira, o Parlamento Europeu foi palco de trocas de acusações entre as duas maiores bancadas, a do Partido Popular Europeu (PPE) e dos Socialistas europeus (S&D), com o centro-esquerda a recriminar a alegada apropriação da luta do setor pelo centro-direita e mesmo extrema-direita.
Depois de o líder do PPE, o alemão Manfred Weber, ter prometido que o PPE vai ser “o partido dos agricultores”, a líder da bancada socialista, a espanhola Iratxe García, deplorou que o descontentamento do setor se tenha transformado numa “arma eleitoral”.
“O que é inaceitável é esta batalha entre a direita e a extrema-direita sobre quem representa o setor agrícola e pecuário da Europa, que é tão diverso como a UE. Ninguém tem o direito de se arrogar o direito de representar o setor”, declarou.
Partidos populistas e de extrema-direita têm-se ‘colado’ aos protestos dos agricultores, aproveitando o facto de muitas das queixas serem dirigidas à UE – em matérias como normas ecológicas consideradas excessivas e concorrência desleal face às importações de países terceiros, com destaque para a Ucrânia -, e a generalidade dos analistas concordam que os problemas do setor serão uma das bandeiras dos partidos radicais na campanha para as europeias.
“Em certa medida, já está a acontecer. A extrema-direita, em resposta a estes protestos, posicionou-se como um aliado para essas queixas. Mas também o PPE o fez, posicionando-se como o partido dos agricultores”, comentou à agência Lusa uma analista política do centro de estudos European Policy Centre, Brooke Moore.
De acordo com esta analista, a revolta dos agricultores que tem marcado a UE neste arranque de ano também terá inevitavelmente impacto na chamada transição verde, aquela que era a grande aposta do (primeiro) mandato de Von der Leyen, que ainda não anunciou se se recandidatará à presidência do executivo comunitário.
“O debate em torno do Pacto Ecológico está a mudar. Costumava ser sobre o mérito e a necessidade da transição ecológica. Agora que esta já está em marcha, fala-se é sobre como levá-lo avante de forma a que os cidadãos a acompanhem”, observou.
“Trata-se de um processo de aprendizagem e estes protestos põem em evidência os desafios. Independentemente de estas questões darem ou não mais peso aos partidos de extrema-direita nas próximas eleições, os protestos dos agricultores não deixarão de ter um impacto na agenda de sustentabilidade da UE”, concluiu Brooke Moore.