Com 2,89% do território nacional devastado pelas chamas em 2025, Portugal registou a maior proporção de área ardida da União Europeia.
Samuel Delesque, cofundador da Traditional Dream Factory (TDF), defende técnicas de prevenção: “é urgente redesenhar a paisagem com sistemas agroflorestais e de retenção de água, criando ecossistemas diversos que travem o fogo e revitalizem a economia rural”.
Neste verão de 2025, Portugal voltou a ser severamente castigado pelos incêndios. Durante os meses mais quentes, arderam quase 279 mil hectares – cerca de 3% do território nacional – segundo dados do European Forest Fire Information System (EFFIS). Este valor triplica a média das últimas duas décadas e posiciona Portugal como o país mais afetado proporcionalmente em toda a União Europeia. Nos últimos dez anos, o país perdeu 13% da sua superfície em incêndios, concentrando, em conjunto com Espanha, dois terços da área total ardida na Europa, que já ultrapassa um milhão de hectares.
Os especialistas alertam que estes incêndios resultam de uma combinação explosiva: ondas de calor mais intensas, secas prolongadas e ventos fortes, condições que hoje são 40 vezes mais prováveis e 30% mais severas do que num mundo sem alterações climáticas, segundo o Instituto de Conservação da Natureza e da Flora (ICNF). Eventos extremos que antes ocorriam a cada 500 anos, agora são esperados a cada 15. A isto somam-se a desertificação do meio rural, o abandono do setor agrícola e a expansão de monoculturas inflamáveis como o eucalipto, que transformaram o território num autêntico rastilho.
Agrofloresta: a solução para a transição
Samuel Delesque, cofundador da Traditional Dream Factory (TDF), não hesita em apontar a raiz do problema: “O problema não é apenas climático, é estrutural”, e defende: “É urgente redesenhar a paisagem com sistemas agroflorestais e de retenção de água, criando ambientes diversificados que freiem o fogo e revitalizem a economia rural”. A TDF, localizada em Abela, no município de Santiago do Cacém, Alentejo, funciona como um laboratório vivo onde são testadas práticas como a agrofloresta sintrópica, a silvopastorícia, os corta-fogos verdes e as técnicas de retenção de água.
De acordo com o especialista, substituir 50% da área de eucalipto por sistemas agroflorestais poderia aumentar o PIB nacional em 3%, criar 43 mil empregos e reduzir drasticamente os incêndios. “Não é uma mudança imediata: num período de 3 a 7 anos já ocorreriam transformações visíveis; entre 10 a 15 anos, uma resiliência profunda”, acrescenta. Entretanto, para conviver com o fogo, propõe reforçar faixas de proteção, pastoreio direcionado, queimadas controladas e pontos de água estratégicos.
Na opinião de Delesque, a Política Agrícola Comum (PAC 2023-2027) já reconhece a agrofloresta como uma ferramenta essencial, e o sistema tradicional do montado continua a ser uma referência. Contudo, para que estas estratégias tenham impacto real, é necessário concluir o cadastro rural, reorganizar a propriedade fragmentada, aplicar zonas tampão e canalizar apoios para sistemas mistos que regenerem os solos, reforcem a autonomia alimentar e revitalizem as comunidades. “Temos ilhas de excelência”, sublinha Delesque, mas alerta: “precisamos de um arquipélago”.
Além do seu impacto ambiental, a agrofloresta é também uma estratégia económica e social: “Portugal importa 5,2 mil milhões de euros em alimentos por ano; produzir mais localmente reduz a dependência, cria emprego e dá nova vida ao mundo rural”, reforça.
Inovação e alianças: tecnologia ao serviço do território
Para escalar soluções, a TDF colabora com projetos como a Silveira Tech, na Serra da Lousã, que conhece bem os efeitos devastadores do fogo. A sua infraestrutura foi recentemente afetada pelo incêndio de Arganil, o maior alguma vez registado em Portugal, que queimou 64 mil hectares em apenas 12 dias. Destacam-se como líderes na regeneração de 230 hectares com uma abordagem global: agrofloresta, permacultura e biodiversidade, combinadas com pastoreio holístico com cabras para criar corta-fogos naturais e gestão hídrica avançada.
“Não basta plantar árvores”, afirma Manuel Vilhena, cofundador da Silveira Tech, e acrescenta: “é preciso redesenhar o território para que seja resiliente”. A estratégia passa por combinar práticas tradicionais, como agrofloresta, a gestão hídrica e o desenvolvimento de corta-fogos naturais, para que a natureza volte a ser uma aliada contra o fogo.
Ambas as iniciativas partilham a mesma visão: transformar paisagens vulneráveis em mosaicos produtivos e resilientes, mostrando que a regeneração pode ser viável, escalável e economicamente sustentável.
Fonte: Traditional Dream Factory