A semana ficou marcada, inevitavelmente, pelos impactos da Guerra na Ucrânia com o fim do Acordo dos Cereais do Mar Negro, episódios sucessivos de ataques a Odessa, mais incerteza e instabilidade, não só nos preços dos cereais e oleaginosas, mas sobretudo numa nova escalada do conflito, com a Rússia, infelizmente, a marcar a agenda global, onde se não ouve falar de Paz, pelo menos entre as diferentes partes envolvidas.
Vivemos, assim, um carrossel nos preços, desde logo, no trigo e na cevada, o que se estendeu ao milho e às oleaginosas. São subidas e descidas em função de mais ou menos riscos e ameaças, sendo certo que o Mar Negro é uma região absolutamente estratégica e que, mais tarde ou mais cedo, vai ter de se encontrar um novo acordo.
Com boas perspetivas para o mercado mundial em termos de produções, os mercados parecem começar a interiorizar esta conjuntura, enquanto a União Europeia tenta acalmar os preços – o que de algum modo conseguiu – reforçando as alternativas, com a aposta nas Vias de Solidariedade que, esperamos, sejam mesmo solidárias, face ao “conflito” com os 5 países vizinhos (Polónia, Hungria, Bulgária, Roménia e Eslováquia) que pretendem prolongar o embargo aos cereais ucranianos até final do ano, mas tudo vai depender da pressão (e dos preços) dos agricultores locais.
Entretanto, a Rússia, na Cimeira de São Petersburgo com países africanos, anunciou a oferta de 50 000 toneladas de trigo aos países amigos, num gesto de “boa vontade” que não vai ter qualquer impacto nos preços e abastecimento mundial, mas que é certamente dramático – a juntar ao problema das alterações climáticas – na (in)segurança alimentar dos países menos desenvolvidos.
As Nações Unidas desesperam por soluções e pelo regresso das partes às negociações, igualmente com a Turquia, mas é evidente que a geoestratégia e a geopolítica também se jogam fora da Ucrânia.
Veja-se a crescente influência da Rússia em África, os recentes acontecimentos no Níger, num conflito que ganha uma dimensão de ódio contra o Ocidente, amplificada pela articulação entre o ISIS e a Wagner. E, não menos relevante, pelas redes sociais.
Tudo isto é perturbador e vai certamente influenciar as nossas vidas.
Para Portugal, os impactos serão inevitáveis e preocupantes para a Indústria e Pecuária, numa altura em que os preços (e os custos) estavam num claro abrandamento. Não faltará cereal no mercado – uma vez mais atenção à SILOPOR, sobreestadias e aos stocks – nem é previsível que nos confrontemos com preços de 2022, mas o facto é que setores como o leite e a carne de bovino estão em quebra, tal como os rendimentos dos produtores agrícolas. É por isso que as ajudas à produção são cada vez mais importantes, e dentro dos prazos previstos, como seriam relevantes a manutenção do IVA ZERO nos alimentos e na alimentação animal para o próximo ano. Uma questão a ter em conta no orçamento de Estado para 2024.
E a propósito das ajudas, também ontem tivemos a informação da parte do Gabinete da Ministra de que, pese embora partilhem das preocupações da IACA sobre os ecoregimes e a assistência técnica – sobretudo o da eficiência alimentar que, com os nossos técnicos, reputados especialistas, ajudámos a criar, com o inestimável apoio do FeedInov, DGAV e GPP – já não vai haver tempo para proceder às necessárias alterações na Portaria, uma vez que as candidaturas ao Pedido Único terminam em 31 de julho. Por outro lado, está a decorrer um pedido de alterações tendo em vista a operacionalização do PEPAC para o próximo ano, existindo o compromisso de, em setembro, voltarmos a reunir e discutir este assunto com a Ministra da Agricultura e Alimentação.
Aqui reiteramos a mensagem e o que está em causa: os agricultores ou produtores pecuários devem ter a liberdade de escolher o melhor apoio técnico, em função da qualidade dos serviços, e não serem simplesmente “empurrados” para as associações de agriculturas ou cooperativas apenas porque desde modo beneficiam de majorações nas ajudas e que, nalguns casos, potenciam situações de distorção de concorrência. Já aqui abordámos, no dia 7 de julho, este problema do “monopólio” da assistência técnica numas Notas sobre o “Elefante na Sala?”
Não iremos abdicar de defender aquilo que acreditamos porque é justo, pode beneficiar o sucesso do ecoregime e, o que mais importa, os produtores de bovinos, de carne e leite. Quem nos conhece, sabe que nada nos move contra as organizações de agricultores e cooperativas, apenas o direito à liberdade de escolha.
Finalmente, um tema incontornável, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e o “apelo”, ou sugestão aos peregrinos para serem vegetarianos de forma a compensar, imagine-se, a pegada de carbono nas viagens de avião.
Talvez impulsionado pelo tema das alterações climáticas que também estão a marcar a agenda, numa entrevista ao Expresso SER, o Presidente da Novo Verde (empresa gestora de resíduos de embalagens) e da ERP Portugal, abordou o Manual do Peregrino que tem uma panóplia de conselhos e sugestões em diversas áreas, desde a alimentação, viagens, higiene…onde se pode ter acesso a uma App (e os telemóveis não têm pegada?) com uma calculadora e explica aquele responsável, como esta vai funcionar.
Não conhecemos a metodologia da calculadora, mas, imaginamos, que não terá sido criada com preocupações de ordem científica, apenas motivada pelo “rolo compressor” da Sustentabilidade, seja lá o que for. O mais simples – sim, porque sempre os mais frágeis – é atacar a produção pecuária e o consumo de carnes e desde modo, o apelo ao vegetarianismo e ao não consumo de carnes “aliviaria as consciências”, tal como há muitos anos a penitência ou o pagamento da bula, a “desobriga”.
Tudo isto sem cuidar de saber o que tem feito a pecuária e a agricultura em prol do combate às alterações climáticas ou da Sustentabilidade, na redução das emissões, e o que representam os animais na sociedade e os produtos de origem animal no equilíbrio das dietas. No Mundo Rural. E, já agora, lembrar que a atividade pecuária gera riqueza, produz alimentos e consome matérias-primas e coprodutos (que seriam lixo para “alimentar” o “Novo Verde”), que os humanos não conseguem digerir, nem aproveitar.
Já dedicámos a este tema espaço suficiente e as Notas serão levadas à JMJ. No entanto, estamos em crer que foi um momento infeliz do entrevistado, um título algo sensacionalista do jornalista (fora do contexto?) mas os excelentes comunicados da CONFAGRI e da CAP, de que a SIC/Expresso deram cobertura, ilustram bem o que está em causa.
Não devemos falar sem conhecimento, pelo que seria um sinal de humildade, algum retratamento. O que já aconteceu, de certo modo, num comunicado que pode ser lido aqui, em que a JMJ apela, de facto, ao consumo de produtos locais. Mas ficam as mensagens, para o futuro, e a esperança de que seja revisto o conteúdo do Manual.
Sim, porque nenhum de nós estará contra os princípios da denominada Carta de Sustentabilidade, subscrita pelo Papa Francisco, até porque esse mesmo Papa, em 13 de maio deste ano, recebeu uma delegação da ASAJA em audiência, tendo agradecido aos agricultores e produtores pecuários, neste caso de Espanha, o seu papel na defesa do meio ambiente e na produção de alimentos para o mundo. Na referida reunião, falou de uma realidade a que todos aspiramos: a de uma ecologia integral, entre as dimensões social, ambiental e económica.
Contra os excessos, venham eles de onde vierem…talvez assim tenhamos uma calculadora mais eficiente e mais amiga da saúde e do ambiente.
Mas como o que verdadeiramente interessa é o sucesso das Jornadas nas suas múltiplas dimensões, desde a imagem de Portugal no mundo à presença de tantos voluntários e milhares de jovens e menos jovens envolvidos, a quem temos de agradecer, à partilha de conhecimentos, de emoções e de Fé, é possível acreditar que, todos juntos, podemos construir um Mundo melhor.
Que a presença de Sua Santidade nos traga mais bom-senso, entreajuda, justiça, informação e conhecimento, menos hipocrisia e populismo.
Porque, o que parece, é que vivemos num mundo ao contrário!
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Fonte: IACA.
As infraestruturas portuárias não podem ser forças de bloqueio – Jaime Piçarra