Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste, os três países lusófonos estudados no relatório anual da Rede Mundial contra as Crises Alimentares (GNAFC) deste ano, enfrentaram em 2024 níveis elevados de insegurança alimentar aguda.
Em Moçambique, na África Austral, 4,9 milhões de pessoas, ou 24% da população analisada, enfrentaram níveis elevados de insegurança alimentar aguda em 105 dos 156 distritos do país durante a época de escassez, segundo o estudo hoje publicado.
De acordo com a análise, estes números são uma “conjugação da violência que assola o país”, principalmente na região norte, em Cabo Delgado, “de eventos climáticos extremos” e de “crises económicas”.
A seca provocada pelo fenómeno El Niño, associado a temperaturas elevadas, comprometeu a campanha agrícola de 2023-2024, ao mesmo tempo que inundações e tempestades tropicais — como o ciclone Chido e a tempestade Filipo — danificaram dezenas de milhares de hectares de culturas e infraestruturas, segundo dados do estudo.
Famílias vulneráveis esgotaram os seus ‘stocks’ alimentares precocemente e passaram a depender do mercado já no início da época de escassez.
O conflito prolongado em Cabo Delgado estabilizou-se na segunda metade de 2024. No entanto, ataques intermitentes continuaram a ocorrer, dificultando o acesso a terras agrícolas, perturbando mercados e trocas comerciais, e reduzindo a disponibilidade de alimentos, lamentou.
Na Guiné-Bissau, o principal fator de crise foi económico.
Cerca de 100 mil pessoas, o equivalente a 7% da população, enfrentaram níveis elevados de insegurança alimentar aguda em 2024, devido à inflação persistente e, por exemplo, à quebra no preço da castanha de caju — principal produto de exportação —, que ficou 24% abaixo da média dos últimos cinco anos, afetando os rendimentos familiares, especificou.
O documentou explicou que, embora a precipitação tenha sido suficiente para as culturas cerealíferas, a região de Gabú (leste) registou perdas devido a períodos de seca.
No norte da região de Oio (centro-norte), o défice de chuvas em agosto prejudicou as culturas de arroz.
Por isso, “a produção total de cereais de 2024 foi, ainda assim, estimada em 13% acima da média quinquenal”, saudou.
Em Timor-Leste, nação lusófona na Ásia, o cenário também se agravou.
“Cerca de 400.000 pessoas, ou 27% da população, enfrentaram insegurança alimentar aguda no período pós-colheita, um aumento face aos 260 mil do ano anterior”, alertou.
Destas, 20.000 estavam em situação de emergência (Fase 4 IPC), citou.
A investigação salientou ainda que o impacto combinado da seca induzida pelo El Niño e das chuvas intensas causadas pela La Niña reduziu drasticamente a produção de arroz e milho — respetivamente 23% e 14% abaixo da média dos últimos cinco anos.
De uma forma geral, o documentou indicou que os preços dos alimentos subiram devido a quebras de produção internas e restrições à exportação de arroz por parte da Índia. Como cerca de 60% das necessidades de cereais são satisfeitas por importações, a dependência externa expôs o país a choques nos preços, com o arroz a subir 11% em dezembro face ao ano anterior.
Em 2024, mais de 295 milhões de pessoas, ou seja, 22,6% da população analisada, enfrentavam níveis elevados de insegurança alimentar aguda em 53 dos 65 países/territórios selecionados para o relatório, sendo este o sexto aumento anual consecutivo, explicou.