O fogo que lavra no concelho de Trancoso desde sábado deixou um rasto de destruição e muitos produtores agrícolas “sem nada”, sobretudo castanheiros, enquanto os criadores de gado ficaram sem forragens para alimentar os animais.
As chamas andaram céleres e incontroláveis por estes dias entre Freches, onde tudo começou, Mendo Gordo e Terrenho, do lado oposto do concelho, nesta terça-feira. À sua passagem ameaçaram várias aldeias, rondaram a cidade de Trancoso e continua hoje ativas.
Para trás, a paisagem está negra, fumegante e a exalar um forte cheiro a terra queimada. É este o cenário com que muitos produtores agrícolas vão ter de conviver nos próximos meses.
O fogo ainda não acabou, mas o levantamento dos prejuízos está a começar para os produtores de castanha, num concelho com cerca de 900 produtores, que produzem anualmente perto de 3.000 toneladas deste fruto, de acordo com informação do município.
Marcílio Faustino, de Castanheira, perdeu cerca de 200 castanheiros e uma fonte de rendimento.
“Num ano normal chegava a fazer mais de 5.000 euros em castanhas, este ano não vou ter nada. É um grande prejuízo”, disse o produtor à agência Lusa.
O habitante da Castanheira, onde o fogo andou na segunda-feira, também não conseguiu salvar um camião de feno “em fardos grandes, de quatro cordas”, que pagou a 25 euros o fardo.
“É mais um prejuízo e outro virá, pois agora não tenho como alimentar as minhas 80 ovelhas. Olhe, vão ter de começar a comer menos, a apertar a barriga, porque o que há, como as canas do milho, está tudo alambarado”, desabafa.
Marcílio Faustino adianta à agência Lusa que já foi contactado pelo município, que se comprometeu a entregar sacos de farinha para alimentar o rebanho.
“Telefonaram da Câmara a perguntar quantas ovelhas tinha, disseram que me iam dar uns sacos de farinha, vamos ver”.
Também José Cruz, dono de uma empresa de jardinagem em Castaíde e produtor de castanha, já foi abordado pelo município.
“Já me ligaram, que iam ver… Pediram para tirar fotografias ao que ardeu e isso tudo, o presidente da Junta também já veio saber o que era preciso. Vou esperar para ver o que vem por aí. Todas as ajudas são boas e esperamos por isso”, afirma.
No seu caso, perdeu “muitas árvores de jardim, com 25 anos, faias, tílias, pinheiros de várias qualidades, arbustos”.
“Não houve um avião que deitasse água, nem bombeiros, estive sozinho, sem luz nem água. Só mesmo ao fim, umas pessoas vieram ajudar com uma cisterna numa ‘pick-up’ e conseguimos evitar o pior”, conta, com a voz embargada.
José Cruz garante que se não fosse essa ajuda a sua casa tinha ardido completamente.
“Esteve por um triz. As chamas estiveram à beirinha, ardeu o capoto e o calor partiu os vidros das janelas”, indica.
O empresário já começou a fazer um balanço e contabilizou a perda de duas pequenas máquinas de jardinagem – as grandes conseguiu tirá-las a tempo, de vários utensílios, estimando “em, talvez, entre cinco mil e dez mil euros os prejuízos em material”.
Para continuar a trabalhar, espera contar com o apoio de alguns amigos e também das autoridades, a quem pede ajuda “já, para começar a trabalhar”.
Neste incêndio, José Cruz perdeu cerca de 300 castanheiros, “muitos pequenos, que tinha plantado no ano passado, 50 que repus este ano, porque tinham secado, e outros 50 com 20 anos”.
“Já tinha alguma produção de castanha e agora fiquei sem nada”, lamenta.
Nas Quintas de Cima, uma anexa de Castaíde, Fernanda Dias disse à Lusa que a família perdeu um barracão agrícola onde tinha ferramentas, cem fardos de feno, uma mangueira e milho recentemente comprado para as suas cabras.
O pior foi “a aflição” de ver as chamas a progredir pelos terrenos e a quase surpreender filha, genro, marido e vizinho quando tentavam salvar o barracão.
“Não o conseguiram salvar um barracão e, por segundos, não ficaram lá todos, porque o meu marido não queria sair dali. Ficaram cercados pelo fogo e tiveram de fugir, deixaram arder”, recorda.
Fernanda Dias também fala na falta de meios no combate às chamas, repetindo que “não se viu ninguém, éramos só nós, foi um momento de grande aflição, éramos só nós”.
De regresso a Castanheira, António Santos, que é padeiro em Trancoso, não teve muitos prejuízos, apenas “pastos, meia dúzia de carvalhos e três castanheiros”.
Tem ovelhas, mas ficou sem alimento para as sustentar. O que há “está tudo alambrado e seco, elas não comem”.
Era importante haver apoios para alimentar os animais, sustenta. “Por exemplo, eu tenho 500 euros para pagar de IRS, se me perdoassem isso já ficava contente”, confessa à agência Lusa.
Com 54 anos, António Santos diz que nunca tinha visto “um cenário como este” na Castanheira, que está cercada de negro.
“Antigamente era diferente, vinha calor, mas havia aquelas chuvas de agosto, os terrenos estavam cultivados, agora isto está tudo ao abandono. Esta é uma terra de castanhas e este ano não vai haver nada, está tudo queimado ou seco”.
Para Cristóvão Santos, presidente da Associação Empresarial do Nordeste da Beira (AENEBEIRA), ainda é cedo para contabilizar os prejuízos.
“É muito prematuro fazer uma avaliação mais concreta, até porque o incêndio ainda está a decorrer nalgumas zonas do concelho”, sublinhou à Lusa.
A AENEBEIRA já está a acompanhar a situação dos associados afetados, juntamente com a autarquia, que são sobretudo dos setores da castanha, produção de queijo e pecuária.
“É claro que vai afetar muito a produção de castanha. Em Mendo Gordo, Torre de Terrenho e Terrenho produz-se muita castanha e essa zona está a ser muito afetada pelo incêndio. Neste momento não conseguimos quantificar as perdas, mas é natural que sejam muito significativas”, refere.
Cristóvão Santos refere-se a soutos que arderam, “a outros que não arderam, mas que, devido ao calor que apanharam, coloca em causa a produção deste ano e dos próximos porque é preciso avaliar a sua capacidade de recuperação”.