Temos que perceber que comprar um chocolate por um euro nunca poderá ser comércio justo.
Serão os problemas eternos? Tenho que concluir que sim.
De outra forma não encontro explicação para o problema com que me deparo. Passo a explicar: a 17 de Junho de 2021 o Supremo Tribunal de Justiça dos Estado Unidos da América (SCOTUS) deliberou a favor da Nestlé e da Cargill, num processo instaurado há mais de 15 anos por seis pessoas.
Isto pouco ou nada diz ao cidadão comum, desconhecendo o impacto que a decisão oposta poderia ter na indústria, comércio e consumo de chocolate a nível mundial. Então de que falamos na realidade, e qual a influência da deliberação do SCOTUS para o chocolate e para o mundo?
Primeiro temos que perceber quem são as empresas processadas. Se, por um lado, a Nestlé dispensa apresentações, sendo uma das maiores empresas mundiais na área alimentar com um peso considerável na indústria do chocolate, a Cargill, por seu lado, é uma ilustre desconhecida, apesar de ser um gigante na transacção mundial de cacau e seus derivados.
E estas seis pessoas? São cidadãos malianos que foram, ainda crianças, vendidas como escravas para plantações de cacau. Há 15 anos processaram estas duas empresas pelo papel que elas desempenham na perpetuação do comércio escravo e pelas decisões que tomam de forma a manter o preço do cacau baixo e as margens altas.
Ao abrigo de Alien Tort Statute, uma lei do século XVIII que permite que estrangeiros entrem com acções judiciais em tribunais dos Estados Unidos por violações graves do direito internacional, estes cidadãos malianos decidiram processar as empresas em questão. Contudo, o SCOTUS deliberou que esta lei não se aplica ao caso porque as acções aconteceram na Costa do Marfim e não nos Estados Unidos.
Vamos viajar no tempo, até Janeiro de 1909. O mundo é um lugar muito diferente de hoje, pensaríamos nós, certo? Errado.
Em Janeiro de 1909, São Tomé e Príncipe (colónia portuguesa) era o maior produtor mundial de cacau (17%) mas a Cadbury’s (um dos maiores produtores mundiais de chocolate e responsável por comprar cerca de 45% do cacau de São Tomé), como forma de protesto contra a utilização de trabalho escravo nas plantações de cacau em São Tomé, inicia o embargo ao cacau português. Uma atitude que foi seguida por muitos outros dos grandes produtores mundiais de chocolate, marcando o fim da predominância portuguesa na produção mundial de cacau.
Vamos viajar quase 100 anos para o futuro. Estamos em Setembro de 2001. Os representantes da indústria de cacau e do chocolate (Chocolate Manufacturers Association; World Cocoa Foundation; Organização Internacional do Trabalho – Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil; Guittard Chocolate Company; M&M/Mars, Inc.; World’s Finest Chocolate, Inc.; Archer Daniel Midland Company; Nestle Chocolate & Confections USA; Blommer Chocolate Company; Hershey Food Corporation; Barry Callebaut AG) assinam o Harkin Engel Protocol, um acordo desenvolvido pelo senador Tom Harkin e pelo congressista Eliot Engel, que tem como objectivo eliminar as piores formas de trabalho infantil na indústria do cacau e chocolate. O acordo é abrangente e enumera as soluções para a resolução do problema.
Vamos viajar mais um pouco, de volta ao presente, Julho de 2021. O que mudou desde Janeiro de 1909? Nada, ou numa perspectiva optimista, muito pouco. E digo isto porque os intervenientes reconheceram que o trabalho infantil e que o trabalho escravo existem, que eles fazem parte do problema e que o problema deve ser erradicado.
Alguns factos:
* a União Europeia (UE) e os Estados Unidos (EUA) são os maiores produtores mundiais de chocolate;
* a UE (cerca de 50%)
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