A 23 de Setembro, celebra-se o Dia Europeu da Agricultura Biológica, uma data instituída para destacar a importância de um sistema alimentar mais sustentável, ético e saudável. A CNJ – Confederação Nacional dos Jovens Agricultores e do Desenvolvimento Rural, fazendo parte do IFOAM – Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Biológica, do IFOAM Organics Europe e como subscritor fundador da Organics Europe Youth Network, vem sublinhar a importância de uma reflexão profunda sobre os desafios que este setor enfrenta num mercado globalizado, defendendo uma harmonização urgente entre as regras comerciais internacionais e os padrões ambientais e éticos europeus. Um dos mais prementes desafios é a contradição das importações de alimentos para a União Europeia (UE) alegadamente produzidos com substâncias proibidas no seu próprio território.
A agricultura biológica assenta em princípios claros: promover a saúde dos solos, dos ecossistemas e das pessoas; evitar o uso de pesticidas e fertilizantes sintéticos; privilegiar a biodiversidade e o bem-estar animal. Na UE, estes princípios são protegidos por uma rigorosa legislação, que define exatamente o que pode e não pode ser usado numa exploração agrícola certificada. Os produtores europeus são submetidos a controlos apertados para garantir que os alimentos que chegam à nossa mesa cumprem estes elevados padrões.
No entanto, esta realidade contrasta violentamente com as regras que se aplicam a muitos dos produtos importados de países terceiros. A UE permite, alegadamente, a importação de alimentos – por vezes até mesmo rotulados como “biológicos” – que foram produzidos utilizando pesticidas e práticas agrícolas proibidas na Europa. Esta situação cria uma concorrência desleal profundamente injusta.
Os problemas desta dupla moral são vários:
1. Concorrência Desleal: O agricultor europeu, que investe em técnicas mais caras e trabalhosas para cumprir a legislação, vê-se a competir no mesmo supermercado com um produto mais barato, precisamente porque o produtor externo não teve de suportar os mesmos custos ambientais e de controlo. Isto desincentiva a conversão para a agricultura biológica dentro da Europa.
2. Incoerência Normativa e “Greenwashing”: O consumidor europeu, ao pagar um prémio por um produto biológico, espera estar a apoiar um determinado conjunto de valores ambientais e éticos. Ǫuando esse produto é importado sob normas menos rigorosas, a confiança do consumidor é traída. A rotulagem de sustentabilidade corre o risco de se tornar um mero exercício de “greenwashing”, minando a credibilidade de todo o setor.
3. Risco Ambiental Global: A proibição de certas substâncias na UE deve-se ao seu impacto comprovado na contaminação dos solos, da água e na perda de biodiversidade. Ao importar alimentos que dependem dessas mesmas substâncias, a Europa está, efetivamente, a “exportar” a sua pegada ecológica para
outros países, negando o princípio de responsabilidade ambiental global que defende internamente.
4. Equidade Comercial: Esta prática coloca os países exportadores numa posição complicada, por um lado criando-lhes oportunidades de mercado, mas por outro potencialmente travando o desenvolvimento de suas próprias normas agrícolas mais sustentáveis, já que o mercado europeu compra o que é produzido sob regras menos exigentes.
Celebrar o Dia Europeu da Agricultura Biológica deve, portanto, ir além de elogiar os benefícios dos alimentos de produção biológica. É um momento crucial para exigir uma harmonização das regras do comércio global com os imperativos ambientais. A solução passa por:
◦ Reforçar os Acordos Comerciais: A UE deve usar o seu poder de compra para exigir que os produtos importados, especialmente os que pretendem o rótulo biológico, cumpram standards absolutamente equivalentes aos europeus.
◦ Valorizar a Produção Local: Os consumidores e os retalhistas devem ser encorajados a privilegiar os circuitos curtos e os produtores locais, cujas práticas são mais facilmente rastreáveis e verificáveis.
◦ Transparência Total: É essencial uma informação clara ao consumidor sobre a origem real do produto e os standards específicos sob os quais foi produzido.
Neste dia, a verdadeira homenagem à agricultura biológica reside na coragem de enfrentar as suas contradições. Apoiar o biológico é defender um modelo coerente, do campo ao prato, que não faça distinção entre a saúde do solo em Portugal e a de um país distante. É lutar por um sistema alimentar que seja verdadeiramente sustentável, justo e global na sua responsabilidade. É esse caminho que a CNJ – Confederação Nacional dos Jovens Agricultores e do Desenvolvimento Rural quer ajudar a trilhar.
Fonte: CNJ