Intervenções do deputado do Bloco de Esquerda, Ricardo Vicente, em duas audições à Ministra da Agricultura decorridas no dia 9 de novembro, por requerimento do Bloco de Esquerda.
Duas dimensões distintas:
– A PAC como política de promoção de trabalho digno
– A inclusão do factor trabalho para garantir maior equidade social e territorial na atribuição de apoios
O seu ministério abriu candidaturas através do PDR2020 para a Instalação de Alojamentos temporários amovíveis no Perímetro de Rega do Mira, onde domina a produção de frutos vermelhos e hortícolas em estufas, túneis e estufins. Tratam-se na verdade de apoios públicos para a aquisição de contentores para meter milhares de trabalhadores migrantes a viver no interior de explorações agrícolas. E para isso o Governo disponibilizou 5 milhões de euros da PAC, destinados exclusivamente a explorações agrícolas com mais de 10ha. O concurso esteve aberto até ao dia 22 de outubro.
- Quantas explorações agrícolas se candidataram a este apoio? Qual o volume total de investimento que se candidatou a esta medida?
- Os beneficiários desta medida que esteve a concurso são grandes produtores com elevada capacidade de investimento e com elevados níveis de rentabilidade. Para termos uma noção da dimensão económica destas unidades de produção, uma exploração agrícola com 10ha de culturas hidropónicas, por exemplo, tem um custo de instalação aproximado de 3 milhões de euros. Trata-se de uma autêntica indústria. A senhora ministra e o seu Governo consideram que os proprietários deste negócio precisam de apoios públicos para poder adquirir contentores para acolher os seus trabalhadores?
- Considera o seu Governo legítimo e adequado que ao arrepio dos direitos constitucionais, se apliquem dinheiros públicos para promover este tipo de habitação no interior dos locais de trabalho? Vai o Governo promover esta política e possibilitar estas práticas abusivas de trabalho em todas as regiões agrárias do país onde o trabalho migrante e precário assume cada vez mais importância? Alguns exemplos mais visíveis: produção de peras e maçãs na região oeste, produção vitivinícola do douro, produção de azeitona no Alentejo.
Em nome do Bloco de Esquerda quero manifestar total desacordo com estas opções do seu Governo. Esta realidade configura uma situação de mau uso dos dinheiros públicos, que acabam por violar direitos humanos fundamentais como a habitação digna, com a agravante de promover sistemas de produção lesivos para ecossistemas sensíveis localizados no parque natural da Costa Vicentina e Sudoeste Alentejano. Isto é o vale tudo para a obtenção de lucro: dinheiros públicos a promover trabalho forçado e destruição de património natural.
Senhora ministra:
Está o seu Governo disponível deixar de financiar estas práticas laborais e tomar medidas que obriguem os beneficiários da PAC a garantir trabalho digno, com habitação digna, promoção de formação e qualificação adequada dos trabalhadores e em harmonia com as comunidades locais?
Que medidas prevê o Governo neste sentido no âmbito da nova PAC? O Plano Estratégico da PAC debruçou-se sobre este assunto? Identificou necessidades e medidas para lhes dar resposta?
Cerca de 40% das explorações agrícolas e 17% da Superfície Agrícola Útil (SAU) do país não beneficiam de quaisquer subsídios da PAC aos agricultores. Mas o país não é todo igual: na Região de Leiria por exemplo, as explorações agrícolas que não recebem qualquer subsídio representam 50% dos agricultores e também da Superfície Agrícola Utilizada. Mais um exemplo: a Região Oeste é a região do país com mais agricultores excluídos, com os subsídios a cobrir apenas 17% das explorações agrícolas e 30% da SAU.
Se observarmos a cobertura do território nacional pelos subsídios da PAC a partir da repartição do trabalho agrícola no país, percebe-se que a Região do Pinhal Interior e outras regiões mais vulneráveis aos incêndios recebem 10 vezes menos apoios por trabalhador agrícola do que o Alentejo. Os subsídios da PAC têm como principal factor de repartição a área agrícola declarada e é por esse motivo que mais de metade dos subsídios se localizam entre o Rio Tejo e o Algarve, favorecendo o grande latifúndio.
Desta forma, o desenho da nova PAC deve basear-se em estudos profundos sobre as diferentes realidades do território nacional e das suas agriculturas. A inclusão do factor trabalho como chave de distribuição dos subsídios é essencial para garantir equidade social e territorial, para travar o abandono da atividade agrícola, para melhorar a eficiência e os níveis produtivos do país. Para este fim há diversas formas possíveis, diretas e indiretas, de incluir este fator na nova PAC.
A primeira pergunta que se coloca é: tem o Governo interesse e disponibilidade para o fazer? Que medidas prevê o Plano Estratégico nacional da PAC para este fim?
Tem o Governo algum estudo que identifique estas necessidades e aponte soluções nesse sentido?
Um dos membros do Conselho de Acompanhamento propôs que o trabalho fosse chave de repartição de 20 a 30% dos subsídios da PAC. O Governo concorda?
Audição sobre o PEPAC
Há entrada da década decisiva para responder às alterações climáticas o país prepara a aplicação de mais de 10 mil milhões de euros da nova PAC, numa janela de aplicação até 2027. Este é o principal envelope financeiro destinado aos territórios rurais, para garantir desenvolvimento rural, onde se inclui a atividade agroflorestal mas não só, pois hoje o desenvolvimento rural está muito longe de se limitar ao desenvolvimento agrícola. E não há nenhuma actividade económica que esteja à margem das necessidades de adaptação e mitigação das alterações climáticas. Relatórios recentes da comissão europeia demonstram como a PAC tem sido promotora do agravamento de emissões e da destruição de biodiversidade em vez do seu contrário. Este programa é historicamente o mais avultado do orçamento comunitário para onde todos contribuímos com os nossos impostos e como tal a sua aplicação deve responder ao interesse público geral e não apenas ao dos seus beneficiários históricos. Neste sentido é preciso romper com o passado e colocar o interesse público a conduzir a aplicação deste dinheiro, o que só é possível com políticas transparentes, com participação cívica e com capacitação das instituições públicas para a condução deste processo.
Esta não foi até hoje a decisão do atual governo nem de governos passados, que ignoraram o interesse público e fizeram da PAC uma política rentista e de favorecimento de grandes proprietários fundiários. É por isso que hoje 41% das explorações agrícolas do país estão excluídas dos subsídios da PAC e que, entre os beneficiários apenas 2% concentrem um terço da totalidade dos subsídios, de forma concentrada a sul do tejo. Tanto quanto recebem 90% dos beneficiários, essencialmente pequenos produtores e explorações agrícolas familiares que asseguram serviços de coesão essenciais além da produção agroflorestal.
Senhora ministra, até ao momento o seu Governo não demonstrou interesse em acabar com esta injustiça. E o que o país precisa de saber é se isto é para continuar e se o seu Governo vai fazer o mesmo que os anteriores. Isto é, as regras comunitárias alteraram-se, e por isso procuram-se formas de compensar as perdas dos grandes beneficiários, deturpando medidas ambientais e criando novas ajudas ajustadas aos mesmos, ignorando as necessidades reais do país. Estas necessidades não são apenas de cariz ambiental e de resposta às alterações climáticas, são também a respeito da capacidade de produção de alimentos que é colocada em causa pela degradação de solos e pelo abandono da agricultura que se faz notar essencialmente nas regiões centro e norte do país. A senhora ministra e os seus antecessores fazem capas de jornal com o aumento de exportações, mas falam pouco da produção concreta de alimentos e a verdade é que nas últimas duas décadas o país perdeu mais de 20% do valor acrescentado bruto da agricultura.
A contestação tem sido muita e do seu governo e ministério o silêncio é ensurdecedor. Estamos em cima do prazo para entregar o Plano Estratégico da PAC à Comissão Europeia e ainda não se conhece a proposta do Governo nem a avaliação ex-ante nem a avaliação de impacto ambiental que a senhora ministra contratualizou com uma empresa privada em claro conflito de interesses em vez de entregar a uma instituição pública.
- Depois de várias datas fracassadas o Governo anunciou que a proposta de PEPAC entrava em consulta pública no dia 15 de novembro, mantém-se essa previsão? A avaliação ex-ante e a avaliação de impacto ambiental também vão ser disponibilizadas nessa data? Que informação complementar vai o governo disponibilizar aos interessados em participar da audição?
- Que diagnósticos realizou o governo para suportar as medidas contidas no pepac? Está o governo disponível para os tornar públicos?
- Considera o Governo que o tempo restante é suficiente para garantir a devida participação e envolvimento cívico até à entrega do PEPAC à Comissão em Dezembro?
- Considera o seu Governo que estão reunidas condições para cumprir o prazo de entrega do plano estratégico?
Através do Pedido Único houve cerca de 650 mil hectares que se candidataram à medida agroambiental agricultura biológica em 2021, um acréscimo de 400 mil há face ao ano anterior. Tratam-se de terras não cultivadas, essencialmente pastagens pobres do Alentejo, que no passado esgotaram as verbas da produção integrada e geraram um overbooking de 250 milhões de euros com aval do governo PSD/CDS. Dado que os pagamentos do pedido único ocorreram em 29 de outubro, pergunto: quantos há foram aprovados nesta medida e qual a despesa anual que a sua totalidade representa? Os beneficiários desta medida têm algum compromisso com a produção de carne em modo biológico ou trata-se mais uma vez de uma renda que deturpa medidas agroambientais?
Numa audição passada questionei a senhora ministra a respeito da criação de uma anunciada ajuda ligada para a produção de cereais, com especial destaque do milho para grão, cultura para a qual o Governo previa cerca de 10 milhões de euros. Afirmei na altura que essa medida era desapropriada, entre outros motivos, porque se tratava de um sobrelucro a aplicar numa cultura que atingiu preços de mercado historicamente altos. A senhora ministra respondeu, numa clara mudança de posição, que o Governo não tinha intensão de criar essa medida. Atualmente a ajuda ligada aos cereais parece ter voltado às intensões do Governo. Peço-lhe que nos esclareça a este respeito. Vai ou não vai haver pagamentos ligados para o milho para grão?
Considera o Governo que sistemas de produção que além de provocarem elevados impactos ambientais têm altíssimos níveis de rentabilidade como é o caso do amendoal superintensivo devem auferir apoios à instalação? O que justifica estes apoios? Porque motivo estes sistemas de produção de elevada rentabilidade são tratados em pé de igualdade com todos os outros? Prevê o PEPAC algum mecanismo para alterar esta situação?
Está o Governo disponível para, à semelhança de outros países europeus, proibir a aquisição terras por capitais estrangeiros em áreas beneficiadas por grandes investimentos em regadios públicos?
Assembleia da República, 9 de novembro de 2021
O deputado,
Ricardo Vicente
Comunicado enviado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda