Filipe Charters de Azevedo tem aqui um artigo muito estimulante, de que reproduzo o primeiro destaque: “Sendo muito directo (e provocador): os subsídios são os verdadeiros custos de contexto, promovem produções não rentáveis, hábitos de consumo desajustados e penalizam a inovação”.
Eu sei que de cada vez que alguém argumenta que seria melhor acabar com todos os apoios à produção agrícola, florestal e pecuéria, um responsável da CAP, ou da Confagri, ou da CNA, virá dizer que não pode ser enquanto nos mercados concorrentes, nomeadamente os Estados Unidos da América, não acabarem também os apoios aos sues agricultores, acrescentando que é preciso que a alimentação seja barata por causa dos pobres.
O acrescento é uma demagogia sem qualquer ligação com a realidade (do que os pobres precisam é de oportunidades para deixarem de ser pobres através do seu esforço, ou de apoios sociais quando há limitações inultrapassáveis, temporárias ou definitivas, que os impeçam de deixar de ser pobres).
O argumento central de que precisamos de apoios na agricultura, produção florestal e pecuária para compensar os apoios dos outros corresponde à ideia de que desmontar sistemas proteccionistas liquida as possibilidades de sobrevivência dos protegidos, quando na verdade isso só é verdadeiro para os que não conseguem sobreviver em mercados competitivos por serem ineficientes.
Os outros têm no preço um estímulo muito mais forte para serem melhores, mais eficientes, mais inovadores e mais criativos, que no apoio definido por pessoas que têm a certeza do que é melhor para todos, sem terem a maçada de ter de o provar, fazendo eles próprios o que acham melhor.
Sobre isto o artigo de Filipe Charters de Azevedo é bem melhor do que qualquer coisa que eu quisesse escrever sobre isso.
Este post só se justifica por um aspecto que me parece que o artigo não refere mas que Duarte Cordeiro decidiu ilustrar magistralmente, a acreditar no Observador (ou, mais rigorosamente, na Lusa).
Os donos dos apoios, os que decidem como se aplicam esses apoios, deixam de ter de avaliar políticas pelos seus resultados práticos, basta-lhes partir do princípio de que os apoios são intrinsecamente bons, aplicados com regras intrinsecamente racionais, e a partir daí, falar apenas da quantidade de dinheiro e relacioná-lo com algum objectivo apresentado como positivo.
O processo está tão profundamente enraízado em Portugal (não sei como é nos outros países) que em muitas medidas da Política Agrícola Comum, o critério de avaliação na execução é a percentagem de dinheiro gasto em relação ao previsto, sem qualquer critério de resultado (tinha escrito “sem qualquer outro critério de resultado” mas seria um pleonasmo: a taxa de execução é um critério de processo, não de resultado).
450 milhões para apoio à floresta chega, como prestação de contas (sem que ninguém pergunte por que raio boa parte dos dinheiros para prevenção de fogos florestais acaba gasto no Alentejo e a região Centro receba umas migalhas para isso).
Poderia continuar a dar exemplos, como os gastos em faixas de gestão de combustível, uma fatia relevante da prevenção de incêndios, ao mesmo tempo que se produzem relatórios que demonstram a sua ineficácia no fogo da serra da Estrela, e dezenas de outros comentários sobre a aplicação desses tais dinheiros, mas politicamente é um exercício inútil.
É muito mais fácil falar (e pôr os jornais a falar) na aplicação de grandes apoios, tornando inútil qualquer outra discussão de política florestal que não seja sobre se devem ir mais ou menos milhões para esta ou aquela ideia mais querida de quem decide, ou eleitoralmente mais compensadora (como os apoios à gestão de folhosas que não vão dar resultado nenhum porque não há quase exploração produtiva de folhosas fora do montado, ou vão dar o resultado fantástico de ultra-financiar o montado, deixando o resto da gestão florestal no estado em que está, sem qualquer preocupação de reabilitação dos milhares de hectares de sucata florestal com que o país também alimenta a sua gestão esquizofrénica do mundo rural e dos fogos).
É certo que parte destas decisões não são nacionais – como o pecado original de restringir a Política Agrícola Comum aos solos estritamente agrícolas, deixando de lado toda a gestão do mundo rural que não cabe na definição de área agrícola – mas é também certo que há, na PAC, uma crescente oportunidade para opções nacionais de gestão.
Infelizmente, a sua discussão limita-se aos milhões para aqui ou para ali, em vez de discutirmos as opções dos operadores económicos ou a opção política de pagar os serviços de ecossistema que são produzidos pelos agricultores e pastores, e que são de interesse geral, mas que o mercado tem dificuldade em remunerar, porque são difíceis de monetarizar.
Para o que tem preço no mercado, é deixar o preço dar as indicações que tiver de dar aos operadores económicos, para o resto, deixemos de falar de apoios e passemos a discutir a justa remuneração de serviços de interesse geral que o mercado não remunera.
Com isto, simplificamos o sistema, reduzimos a enorme carga burocrática e esforço de verificação do cumprimento de regras, responsabilizamos melhor os decisores políticos e tornamo-nos, provavelmente, mais eficientes e mais ricos.
À PAC se pode aplicar a famosa pergunta: “e não se pode exterminá-la?”
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.