O que assistimos, por estes dias, é a manifestação generalizada da insatisfação dos agricultores europeus, entre eles os portugueses, agora com um impacto direto nas cidades e nas opiniões públicas do velho continente. E não se diga que o assunto é, apenas, relacionado com orquestrações, mais ou menos, politizadas, em período pré-eleitoral.
Se é certo que os cortes de estradas junto às fronteiras portuguesas aproveitam a boleia dos cortes à circulação nas grandes autoestradas francesas, somemos-lhe, aqui em Portugal, a todas as outras razões de fundo, a surpreendente notícia do corte, não anunciado, no pagamento das ajudas anuais aos largos milhares de beneficiários dos “eco-regimes”. (Trata-se das ajudas aos agricultores que têm direito a ajudas específicas da PAC, pelo facto de produzirem sob os denominados modos de “agricultura biológica” e “produção integrada”). A 25 de Janeiro, uma data já anormalmente tardia em que estava anunciada a realização desses pagamentos, o valor transferido aos beneficiários trazia um corte expressivo. Este procedimento foi incorreto porque não foi sério, não foi oportuno e reforçou a ideia de um governo que trata o sector agrícola, e os seus agentes, com desrespeito e desconsideração. Gota de água a transbordar o copo.
Mas as razões do descontentamento são mais profundas e mais antigas. Os agricultores que hoje se concentram em Bruxelas, junto à Comissão Europeia, lá como cá, exigem ruidosamente a satisfação das suas reivindicações. Talvez não saibam que o seu rosário de queixas não poderá ser atendido, pelo menos para já. Entre outras reivindicações, referem eles, e com razão, duas coisas: uma menor concorrência dos produtos dos países terceiros e menos regulação europeia sobre a sua atividade. Dá para pensar.
Ao falar da concorrência referem-se, nomeadamente, aos produtos que atravessam o Atlântico. Não deixa de ser curioso que a prioridade ambiental da nova PAC coexiste, aparentemente sem sobressalto, com a “pegada ecológica” dos frutos da América do Sul, dos cereais americanos, da soja brasileira. Quando os agricultores pedem menos regulação é claro que só podem falar na regulação administrativo-legal porque a (des)regulação económica é, mesmo ela, quem está na base do descontentamento dos agricultores europeus. E este processo, recorde-se, começou, em força, nos anos noventa do século passado, ou até um pouco antes.
A regulamentação administrativa, esta sim, é cada vez mais pesada e mais enraizada numa Europa que tem ganho em peso burocrático interno, tanto, ou mais, do que aquele que tem perdido em peso político externo. Quem já tenha feito uma candidatura anual aos apoios à atividade agrícola através do novo PEPAC (Plano Estratégico da Política Agrícola Comum) sabe, melhor que ninguém, a dimensão deste problemático labirinto administrativo, sem proveito económico, sem vantagem técnica, sem interesse.
Antonio Themudo Barata
Eng.º Agrónomo