João Paulo Martins revela tudo na sua crónica de vinhos desta semana
Carlão será nome de pessoa ou de localidade? E Letra F é só uma das letras do abecedário ou é algo mais? E As Olgas são um grupo de música pop? Isso e muito mais é possível descobrir no Douro, no caso guiado pelos irmãos Maçanita, Joana e António. Esta dupla parece ter um faro especial para descobrir, revitalizar e promover zonas menos conhecidas onde podem nascer grandes vinhos. Foi assim nos Açores, foi assim em Porto Santo (nestes casos com ‘mão’ de António) e no Douro, num trabalho conjunto que os levou até Carlão, zona desconhecida e menos considerada, do tempo em que o Douro era maioritariamente terra de produção de vinho do Porto. Todas as parcelas do Douro aptas a vinho do Porto (são 26 dos cerca de 44 mil hectares de vinhas da região) foram classificadas por Moreira da Fonseca em 1947, segundo parâmetros que levavam a que, no final, a parcela fosse classificada de A a F, sendo A a classificação mais alta (mais autorização de benefício e uvas mais bem pagas) e F a mais baixa. Para os vinhos do Porto de melhor qualidade escolhem-se normalmente vinhas de letra A, B, C. As parcelas menos bem classificadas produziam uvas que se destinavam aos Porto correntes, quer tintos quer brancos. Os parâmetros têm sido atualizados e muita renovação de vinhas fez-se exatamente nas zonas de classificação mais alta. A zona de Carlão está repleta de parcelas destas classificações menos consideradas.
O que isso tem de interesse é que essas vinhas, muitas vezes centenárias e onde pontificam castas antigas e raras, são hoje uma verdadeira mina de ouro, sobretudo para se fazer vinhos DOC Douro. As vinhas têm nomes dispersos por várias parcelas, de que As Olgas é um bom exemplo e os Canivéis outro. A dupla Maçanita apostou forte nesta zona, onde parece que a modernidade não chegou e onde o tempo parou. Felizmente, dir-se-á, porque é possível agora valorizar e trazer a público vinhos de enorme originalidade e carácter. Com custos, até físicos, uma vez que, deixado o carro na estrada, o que nos espera são 20 minutos de caminho aos solavancos para se poder chegar às vinhas. Mas vale a pena: os vinhos agora editados e já no mercado — um deles chama-se mesmo Letra F — contam-se por dezenas, quase sempre em quantidades microscópicas mas que nos deixam sem voz: com intervenção adequada, sem modernismos técnicos mas com muito saber, o que nos chega são pérolas de que o vinho que selecionei é um bom exemplo. Alguns não excedem as 300 garrafas, outros têm um pouco mais. Tudo, entre brancos e tintos, a merecer prova atenta e a justificar enorme aplauso. Muitos falam, mas só os ousados conseguem levar avante projetos assim. […]