No rescaldo do incêndio mediático que em julho destruiu dois abrigos ilegais de animais de companhia e provocou a morte de dezenas de animais em Santo Tirso, enquanto a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, era ouvida na Comissão de Agricultura e Mar, o Ministro do Ambiente e da Ação Climática anunciava a saída dos animais de companhia da alçada da Direção-geral de Agricultura e Veterinária (DGAV) para a alçada do Ministério do Ambiente, mais concretamente para o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF).
Um mês mais tarde, o ministro João Pedro Matos Fernandes, reforçou a intenção do Governo, afirmando que a tutela procurará “criar todas as condições para que os animais de companhia tenham uma vida feliz”, uma solução milagrosa, que segundo as palavras do próprio “consistirá em esterilizar e em apostar na promoção da adoção”. Diga-se, nada que já não venha sendo feito com resultados sobejamente conhecidos – Centros de Recolha Oficiais de Animais lotados.
Recentemente a Associação Nacional de Municípios Portugueses solicitou a prenuncia dos municípios sobre a iniciativa legislativa, através dos decretos-lei Reg. DR 641/XXII/2020; Reg. R 642/XXII/2020 e Reg. R 648/XXII/2020, que concretizam a decisão do Governo português transferir a proteção dos animais de companhia.
O afastamento da Autoridade Veterinária Nacional (DGAV) de um programa nacional para os animais de companhia, além de não encontrar paralelo ao nível europeu, trará certamente consequências sérias para a saúde pública. A intenção do Governo deve ser motivo de apreensão para todos os autarcas que trabalham diariamente – de acordo com as políticas emanadas pela DGAV e pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) – na gestão das populações de animais errantes, no domínio da defesa da saúde pública, da defesa do meio ambiente e da defesa da segurança e tranquilidade das pessoas.
Impõe-se uma pergunta: de que forma se pode afirmar que se pretende atingir um pleno estádio de bem-estar animal, saúde pública, segurança e tranquilidade das populações, quando se põe de parte o conhecimento e a competência técnica? O conhecimento e competência técnica são fatores chave para o bom funcionamento das instituições. Esta afirmação ganha ainda maior dimensão quando estão em causa a nossa saúde e a nossa segurança.
Na garantia da saúde animal, da saúde pública e da segurança e tranquilidade das populações, a DGAV e os municípios sempre mantiveram uma colaboração com resultados assinaláveis. A DGAV com o seu papel de elaborar as políticas neste domínio e os municípios com a competência de as executar.
Mesmo na área do bem-estar animal, enquanto matéria técnica estudada e regulamentada, é na DGAV que existe o conhecimento acumulado e a experiência legislativa resultantes de anos de partilha com as congéneres europeias e mundiais.
A separação destas duas vertentes da Medicina Veterinária em dois organismos diferentes (ICNF e DGAV) vai dispersar meios, provocar descoordenação no terreno, sem o devido acréscimo de eficácia comprovada. Estão também a ignorar os anos de experiência existentes num organismo que tem sucessivamente vindo a ser despido de Recursos Humanos, financiamento e meios de atuação. É certo que a DGAV necessita de uma revitalização urgente, mas o Governo está a ignorar que a problemática do bem-estar animal está intimamente relacionada com a saúde animal e com a saúde pública.
Convém relembrar que independentemente de quem exerce o poder executivo neste domínio, quem executa essas políticas no terreno são os municípios e estes assentam a sua atuação na defesa da saúde pública, da defesa do meio ambiente e da defesa da segurança e tranquilidade das pessoas.
Dentro das suas competências, o município de Alcochete, ao longo dos últimos anos apostou fortemente nesta área, não apenas na capacitação técnica ao nível dos seus recursos humanos, na requalificação de infraestruturas (obra em curso) de ampliação e renovação do Centro de Recolha Oficial de Animais de Alcochete, mas também, através da concretização do Programa CED (Captura, Esterilização e Devolução) e campanhas de adoção em estreita colaboração com as Associações Zoófilas locais.
Como autarca com o Pelouro de Saúde Pública encaro com reservas todo este novo quadro de política pública, verificando que nele persiste uma política de agradar a clientelas, menosprezando o conhecimento científico e técnico adquirido ao longo de muito anos, com a agravante daqui resultar a perpetuação do problema dos animais errantes e uma política que não visa assegurar, primeiro que tudo, a saúde e a segurança das pessoas.
O que está prestes a acontecer em Portugal é preocupante.
Vasco Pinto, vereador da Câmara Municipal de Alcochete com o Pelouro da Saúde Pública
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