Na escolha de um Ministro, em traços gerais, penso ser possível optar entre três perfis:
- Um ministro com um perfil mais técnico e com experiência no sector;
- Um ministro com carreira e qualidades políticas e institucionais;
- Uma espécie de outsider com experiência em outras áreas.
O perfil mais indicado depende dos desafios que o sector em causa esteja a enfrentar no momento.
Em alturas de marasmo, por exemplo, um outsider poderá trazer políticas e um discurso alternativos que contribuam para revitalizar o sector.
Um perfil mais político pode também ser o mais indicado. Em 1976, Portugal vinha de dois anos de Reforma Agrária onde o direito à propriedade tinha sido posto em causa e onde praticamente estava instalada uma guerra de classes. Ao Ministro da Agricultura exigiam-se capacidades políticas e de sensibilidade social. António Barreto deixou de tal forma a sua marca que ainda hoje a lei de devolução das propriedades é conhecida como a “Lei Barreto”.
Em 2021 os desafios que se apresentam ao sector agrícola são outros, embora claros.
As sociedades ocidentais são hoje largamente dominadas por classes urbanas com um elevado desconhecimento do mundo rural e da produção agrícola (vegetal e animal).
Esta situação conduz a que vinguem ideias na sociedade – em figuras públicas inclusive – que à partida podem parecer sexys e modernas mas que não têm sustentação com a realidade, com os factos e com a ciência.
Há inúmeros exemplos recentes.
Desde o ataque ao modo de produção superintensivo/de alta densidade protagonizado, entre outros, por Miguel Sousa Tavares sem que depois haja qualquer juízo sobre os impactos ambientais das importações agro-alimentares ao boicote à produção de carne de vaca do Reitor da Universidade de Coimbra passando pela tentativa de parte da Assembleia da República de aumentar o IVA dos adubos não-orgânicos ou ainda pelas declarações do Ministro do Ambiente em que exige apoios do 1º pilar da PAC para as florestas apesar dos actuais Regulamentos Europeus muito dificilmente o possibilitarem.
Cumpre combater ou rebater este tipo de ideias “à nascença” de forma a que não pululem a alta velocidade pela sociedade.
É por isso que é absolutamente crucial uma representação pública e política do sector agrícola dotada de elevadas competências técnicas e de um profundo conhecimento sobre a realidade da agricultura portuguesa.
Até à data, a n. Ministra e Ministério não o têm conseguido ser.
De certo modo têm até mantido discursos e políticas que, à primeira vista, podem parecer sofisticados mas que demonstram afastamento da realidade do sector.
É, por exemplo, muito difícil de entender um discurso constante de consciencialização para o combate às alterações climáticas e para o uso eficiente de recursos ao mesmo tempo que se promove afincadamente o modo de produção biológico. O Ministério não pode esconder que a Agricultura Biológica exige mais horas de tractor por hectare ou que é necessária maior área de solo para atingir a mesma quantidade de produção (portanto, uso menos eficiente do factor “terra/solo”).
É também incompreensível que a n. Ministra lance uma grande “Agenda da Inovação para a Agricultura” ao mesmo tempo que dedica todo o seu discurso à pequena agricultura (em dimensão e valor), não deixando qualquer palavra ou acção para os agricultores de maior dimensão. A n. Ministra não pode esquecer que para existir inovação são necessários formação e capital e que estes requisitos se encontram maioritariamente nas empresas de maior dimensão.
A retirada de competências à DGAV e ao Ministério patrocinada pela n. Ministra contra todas as recomendações do sector também não foi feliz.
Parece-me então que há que acertar o discurso de forma a que se torne mais claro e quase pedagógico.
Só assim se conseguirá contrariar a efervescência de ideias descontextualizadas sobre a produção agrícola que tanto a afectam e põem em causa.
Os tempos são inequivocamente difíceis – perigosos até – para o sector agrícola.
Uma representação pública e política do mais elevado nível é premente.
Caso contrário, corre-se o risco dessa representação se vir a tornar dispensável aos olhos e ouvidos de quem, mais alto na hierarquia, decide.
Chegando aí, não haverá retorno!
Engenheiro Agrónomo e jovem agricultor
Sócio-gerente na CFBM Agricultura Lda.
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LEGITIMAR – Legitimar para não acabar – Afonso Bulhão Martins