Podemos continuar convencidos de que uns quantos “rústicos” podem pouco para influenciar os destinos das nossas democracias. Essa convicção só dura até nos lembrarmos de que cerca de um terço da população europeia vive em zonas de traços mais ou menos rurais
Michel Serres, o sábio e presciente autor de O Contrato Natural, não hesitou em escrever que “o maior acontecimento do século XX é incontestavelmente o desaparecimento da agricultura como atividade principal da vida humana”. Para Serres, o fim do Neolítico só acontece verdadeiramente em meados do século passado, já que, no mundo Ocidental, a percentagem de pessoas que vivia da agricultura e atividades conexas passou de 60%, em 1900, para os atuais 5%. Alguns daqueles que nasceram antes de 1980, e que, como é o meu caso, ainda viram lavrar a terra com o arado de pau inventado pelos sumérios, compreendem bem esse juízo ousado. Mas é dessa pequena percentagem de pessoas que dependemos todos para nos alimentarmos – como ficou patente na crise cerealífera originada pelo criminoso bloqueio russo às exportações ucranianas. Como é deles que dependemos para reter pessoas nas vastas áreas que, uma vez despovoadas, se tornariam ingeríveis. As explorações agrícolas dos 27 utilizam 40% da superfície total da UE e representam 50% de toda a água utilizada.
É deveras insensato acreditar que a transição ecológica e a conservação da biodiversidade se logrará sem diálogo com aqueles que cultivam a terra e colhem o que nos vem ter ao prato. Mas a postura que faz escola é a de que os agricultores devem resignar-se à condição de recetores acríticos e passivos das instruções e leis engendradas em Bruxelas e noutras sedes do poder centralizado. Instalou-se a ideia de […]