A lei de setembro de 1977, destinada a regular a reforma agrária e a criar condições para a restituição das propriedades ocupadas, valeu ao então ministro António Barreto 200 processos em tribunal, todos considerados improcedentes, e tentativas de intimidação.
“Eu tive 200 e tal processos em tribunal. Quase todas as UCPs [Unidades Coletivas de Produção] puseram um processo em tribunal pelo que eu estava a fazer. A lei, o crédito, os rendimentos e os impostos – tudo era motivo para os processos em tribunal”, recordou o antigo ministro da Agricultura António Barreto, em entrevista à Lusa, quando se assinalam 50 anos da reforma agrária.
Contudo, estes processos eram “decalcados uns dos outros”, ou seja, os sindicatos “estavam a fazer chapa três” dos textos.
António Barreto, através do seu advogado, Ângelo Almeida Ribeiro, pediu ao tribunal que transformasse esses processos num só, tendo em conta que todos visavam o mesmo.
Em tribunal, a propósito deste caso, esteve apenas uma vez, seguindo-se duas ou três sessões, só com a presença do seu advogado. O tribunal decidiu pela total improcedência do processo.
“Não fazia sentido. Era um processo político, pura e simplesmente”, afirmou.
A conhecida como “Lei Barreto” causou ainda ao seu promotor tentativas de intimidação, que se estenderam à sua família, levando o então ministro da Agricultura a pedir ao Ministério do Interior que reforçasse a atenção a este caso.
Para o também sociólogo, frases como “Morte à Lei Barreto” ou “Morte ao Barreto”, que foram escritas nas paredes um pouco por todo o país, à semelhança das caricaturas, confirmaram que estava “a tocar num ponto frágil” e não o incomodaram, ao contrário do que aconteceu com as ameaças que chegaram aos seus familiares, residentes no distrito do Porto.
Assim pediu à Polícia, ao Ministério do Interior e às Forças Armadas que estivessem atentas e que lhe dessem alguma proteção, bem como à sua família.
Enquanto ministro sentiu saudades de ter vida privada e o cinema acabou por ser o seu refúgio, admitiu.
“Tinha um guarda-costas que andava comigo sempre. Eu ia para o hotel e o guarda-costas deixava-me lá e ia dormir. Eu, assim que podia, vestia-me com ‘jeans’ e uma ‘t-shirt’ e ia para o cinema. Havia um cinema em Lisboa, nas Avenidas, chamado Quarteto […] e eu, às vezes, ia a uma sessão às dez e outra à meia noite”, referiu.
Já após ter deixado o cargo de ministro, não resistiu em sair algumas vezes à rua para fotografar as frases e as caricaturas que resistiram ao tempo.
António Barreto fez parte do último Governo provisório de Pinheiro de Azevedo e depois foi convidado a fazer parte do primeiro governo constitucional, liderado por Mário Soares.
Assumiu a pasta do Comércio e Turismo, depois de ter trabalhado nas Nações Unidas, e mais tarde recebeu a da Agricultura, mas colocou algumas condições.
Ao primeiro-ministro Mário Soares disse que queria fazer uma nova lei da reforma agrária porque a que estava em vigor “não servia, nem prestava”.
Por outro lado, escolheu Carlos Portas (independente) e António Campos (PS) para assumirem, respetivamente, as secretarias de Estado da Reforma Agrária e do Desenvolvimento Agrícola.
“Dias após tomarmos posse, eu anunciei na televisão que íamos fazer uma nova lei da reforma agrária. Isto fez tremer um bocadinho o cenário político da altura, mas era o que tinha de ser. Eu não tinha qualquer dúvida de que aquela lei tinha de ser profundamente revista”, defendeu.
Para Barreto, era necessário recompensar quem trabalhou bem e quem fez investimentos e definir a reserva que ficava na mão dos proprietários.
A lei de setembro de 1977 pretendeu regular o processo da reforma agrária, estruturando as condições para a restituição de propriedades aos antigos proprietários ou herdeiros e abrindo caminho para as indemnizações.
Contudo, António Barreto reconheceu que a nova lei foi limitada pela Constituição, que não permitia determinar, por exemplo, que “a herdade A era expropriada porque era mal cultivada e a herdade B não era expropriada porque era bem cultivada”.
A constitucionalidade da conhecida como “Lei Barreto” foi avaliada pela Comissão Constitucional (à data ainda não havia Tribunal Constitucional), liderada pelo coronel Melo Antunes, que levou “longos dias” a discuti-la e, posteriormente, a aprová-la.
Muitas UCP, que juntavam várias herdades expropriadas, reagiram mal a esta lei e organizaram manifestações.
À semelhança do que aconteceu com as ocupações, o processo de devolução de terras foi, de forma geral, pacífico. Os militares e, sobretudo, a GNR tinham apenas balas de borracha ou madeira para dissuadir.
Alguns proprietários recuperaram as suas terras 20 ou 30 anos após a reforma agrária.
O Tribunal Europeu reconheceu razão à maior parte dos proprietários que pediu indemnizações, levando o Estado a assumir os valores em causa.