Num ano marcado por mudanças abruptas na forma como os países se relacionam entre si e por diferentes conflitos armados que põem em causa os direitos humanos, a União Europeia (UE) iniciou um processo de corrida para o abismo do business as usual, com a promoção agressiva da agenda da simplificação, que não é mais do que uma agenda de desregulamentação, procurando agradar aos grupos de pressão que querem manter os seus interesses, mesmo que em prejuízo do bem-comum. É neste contexto que o papel das organizações da sociedade civil se torna ainda mais fulcral e decisivo, enquanto barreira e resistência à falta de visão dos decisores políticos do presente, colocando o tema do pensamento a médio e longo prazo nos pratos da balança. Talvez, por isso, se tenha observado um ataque orquestrado por parte de alguns grupos políticos do Parlamento Europeu, aos poucos financiamentos disponíveis para o movimento ambientalista a nível europeu e ao bom nome de algumas das suas organizações. Uma sociedade civil enfraquecida facilita o caminho para quem está apenas interessado em defender os seus próprios interesses. Felizmente, os factos sobrepuseram-se às narrativas criativas dos grupos de direita e extrema-direita que orquestraram o ataque, mas existem sempre consequências e o ataque está longe de finalizado.
É neste contexto que a ZERO faz o balanço do que melhor e pior aconteceu em Portugal e na UE em 2025 e apresenta as suas perspetivas para 2026, sempre com a esperança que o próximo ano possa ser melhor do que o anterior, mas com a plena consciência dos enormes desafios que se colocam à concretização da sustentabilidade e do papel que a sociedade civil terá de assumir para que a defesa do bem-comum volte à mesa das decisões.
Como ponto prévio, é importante referir que dos oito temas incluídos no capítulo das expectativas para 2025 no comunicado de balanço do ano anterior, apenas duas se concretizaram, constando uma delas dos 5 factos mais positivos do ano (a entrada em vigor do Tratado do Alto Mar). A outra foi a não aprovação da proposta do CHEGA Madeira de alterar o regime de proteção da Reserva Natural das Ilhas Selvagens, reduzindo a área protegida de 12 para 2 milhas náuticas.
Os cinco factos mais positivos em 2025
Tratado do Alto Mar em vigor
Em setembro de 2025 atingiram-se as 60 ratificações necessárias para a entrada em vigor do Tratado do Alto Mar (BBNJ), que irá ocorrer a 17 de janeiro de 2026, 120 dias após a última ratificação. Desde junho de 2025, altura da UNOC3, em que 32 países tinham ratificado, o número aumentou para 77 à data de hoje. O Tratado estabelece um quadro jurídico internacional vinculativo para a proteção da biodiversidade marinha em áreas além das jurisdições nacionais, que correspondem a mais de dois terços do oceano global.
Municípios demonstram que é possível acelerar a evolução para uma recolha seletiva de alta eficiência
Em 2025 a ZERO acompanhou e monitorizou o desempenho de vários municípios que estão a implementar sistemas de recolha e gestão de resíduos urbanos de alta eficiência, comprovando que é possível, num curto espaço de tempo (2/3 anos) aumentar de forma clara a quantidade de embalagens e de biorresíduos recolhidos de forma seletiva. Os municípios que mais se destacaram foram: São João da Madeira, Seixal, Fornos de Algodres. Guimarães e a Maia são também bons exemplos de consolidação de boas práticas, muito embora o seu processo de transição tenha já mais anos.
Reciclagem na origem – surgimento de uma nova categoria na área da reciclagem de biorresíduos
Pela primeira vez apareceu a categoria de reciclagem na origem nos gráficos de destino dos resíduos urbanos (Relatório Anual sobre Resíduos Urbanos), um marco histórico que demonstra que, fruto do investimento de alguns municípios na promoção da compostagem comunitária e doméstica, Portugal está a avançar para uma forma de tratamento na origem que reduz os impactos ambientais e económicos do habitual processo de recolha para tratamento num destino centralizado.
Criação da Área de emissões controladas do Atlântico Nordeste
O Atlântico Nordeste (Atlântico NE) irá tornar-se numa Área de Controlo de Emissões (ECA, na sigla em inglês) pela Organização Marítima Internacional (IMO) para reduzir fortemente as emissões dos navios (SOx, PM, NOx) nas águas de países como o Reino Unido, França, Espanha, Portugal, Islândia, Gronelândia, Irlanda e Ilhas Faroé, com implementação completa até 2028, exigindo a utilização de combustíveis com baixo teor de enxofre e padrões mais rigorosos para motores, de forma a proteger a saúde, os ecossistemas e interligar as ECA existentes.
Rede Lusófona para o Clima enquanto aliança para fortalecer a cooperação climática entre os PALOP
Foi criada a Rede Lusófona para o Clima, que iniciará atividades em 2026 com o propósito de promover a ação climática conjunta entre organizações da sociedade civil, jovens líderes, ativistas e representantes comunitários dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e de outros territórios lusófonos. O seu objetivo é o de reforçar a presença e a influência das vozes lusófonas nos processos globais de decisão sobre o clima, incentivando o diálogo, a partilha de conhecimento e o desenvolvimento de soluções sustentáveis baseadas em laços culturais e linguísticos comuns.
Os cinco factos mais negativos de 2025
Estratégia “Água que (des)Une”
Avanço da Estratégia “Água que Une” como matriz programática e de justificação de políticas, pese embora não tenha sido submetida a uma avaliação ambiental estratégica. O seu programa centra as prioridades e o volume de investimento na promoção de um regadio industrial, à medida do agronegócio e sem ponderação adequada dos seus impactos socioambientais.
Política de conservação da natureza em causa
O ano de 2025 expôs mais uma vez a inércia sistémica das políticas de conservação em Portugal. A decisão da Comissão Europeia de levar o país ao Tribunal de Justiça da UE, por permitir que medidas de compensação mascarem impactos negativos na Rede Natura 2000, é o culminar de um facilitismo legislativo e administrativo das autoridades públicas. Exemplo maior dessa negligência é a contínua inexistência do Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados, situação que dura há mais de 17 anos (desde 2008). Sem a regulamentação deste arquivo oficial, a informação sobre espécies e habitats ameaçados permanece dispersa e sem a força jurídica necessária para travar infrações e garantir avaliações de impacte ambiental rigorosas. Esta ausência de “lei e ordem” na natureza reflete-se, igualmente, na vergonhosa estagnação do processo de classificação da Lagoa dos Salgados como Reserva Natural, um triste sinal que o Estado continua sem conseguir resolver a trapalhada jurídica criada pelas próprias instituições públicas que deveriam proteger o património natural.
Cedência das instituições europeias à pressão da indústria mais retrógrada
O ano de 2025 foi palco de ações impensáveis (ainda há pouco tempo) por parte das instituições europeias, nomeadamente da Comissão Europeia com os seus omnibuses, apresentados como simplificações da legislação, mas que são, sem sombra de dúvida, iniciativas de desregulamentação, e do Parlamento Europeu, com o Partido Popular Europeu (PPE), tendencialmente moderado, a alinhar com a extrema direita em muitos dossiers para enfraquecer ou eliminar legislação ambiental fundamental. Muitas destas iniciativas irão fortalecer os interesses dos que já têm mais e deixar para as instituições públicas e para os cidadãos o ónus de arcar com as consequências (e os avultados custos) de mais poluição, da perda da biodiversidade, do agudizar das alterações climáticas e da menor resiliência da UE para responder aos desafios que se lhe colocam.
Governo continua a não agir com eficácia para resolver o problema da estagnação na gestão dos resíduos urbanos
Não obstante o desenvolvimento de inúmeros contactos e a elaboração de uma proposta concreta atempadamente partilhada com o Ministério do Ambiente e Energia, os nossos decisores políticos, até ao momento, têm preferido ignorar a proposta da ZERO para redução, em 3 anos, da colocação de 1 milhão de toneladas de resíduos urbanos em aterros, a qual resolveria a emergência do enchimento dos aterros e continuam a autorizar, ilegalmente, a deposição de biorresíduos, sem estarem estabilizados, em aterro.
Atrasos recorrentes na execução da Lei de Bases do Clima
Em 2025, o balanço da Lei de Bases do Clima ficou marcado por atrasos na sua implementação, em particular no que respeita ao Conselho para a Ação Climática (CAC), cuja operacionalização tarda, comprometendo o seu papel de acompanhamento e escrutínio das políticas públicas, e, em paralelo, a Lei de Enquadramento Orçamental manteve uma integração ainda incipiente dos objetivos climáticos, com o Orçamento do Estado a não assegurar de forma clara a coerência entre a despesa pública e as metas climáticas legalmente estabelecidas.
As expectativas para 2026
Plano Nacional de Restauro com desafios estruturais
O ano de 2026 desenha-se como um momento crítico para a política ambiental portuguesa, marcado pela complexa tarefa de finalizar e submeter à Comissão Europeia o Plano Nacional de Restauro da Natureza, cuja entrega está prevista para 1 de setembro. Este processo implicará o desenho de incentivos financeiros robustos que mobilizem os proprietários privados, detentores da esmagadora maioria do território rústico nacional e sem os quais qualquer estratégia de restauro terrestre estará condenada ao papel. Simultaneamente, no domínio marítimo, a ambição do plano colide com a dificuldade histórica em implementar áreas de proteção estrita — livres de pesca e outras atividades extrativas — essenciais para permitir o restauro dos ecossistemas.
Entrada em funcionamento do Sistema de Depósito e Reembolso
Finalmente e depois de quatro anos de atraso face ao que estava previsto na legislação nacional sobre o Sistema de Depósito e Reembolso (SDR) (aprovada em 2018, previa a entrada em funcionamento do sistema de janeiro de 2022), está previsto o seu lançamento em abril de 2026, abrangendo embalagens de bebidas de plástico e metal. Estes sistemas, quando bem implementados, permitem taxas de recolha das embalagens por ele abrangidas acima dos 90% e contribuem diretamente para a redução dos resíduos no espaço público.
Atualização do Roteiro para a Neutralidade Climática
Espera-se que 2026 marque a apresentação da atualização do Roteiro para a Neutralidade Climática, alinhando-o com a meta legal de neutralidade em 2045 e com o PNEC 2030 revisto. Apesar de o processo ter sido formalmente iniciado, 2025 ficou marcado por atrasos e dificuldades de articulação, tornando crucial que a nova versão do roteiro traduza a ambição climática em trajetórias claras, medidas concretas e mecanismos de implementação credíveis.
Estratégia Industrial Verde enquanto peça essencial da transição energética
Portugal mantém-se sem Estratégia Industrial Verde, um plano previsto na Lei de Bases do Clima e fundamental numa altura em que o país precisa de um enquadramento estratégico para a indústria e inovação no processo de transição energética e societal, sob pena de comprometer a sua competitividade internacional e de deixar o país impreparado para um futuro compatível com o ambiente, os direitos sociais e o clima, mas a ZERO tem esperança de que finalmente esta estratégia veja a luz do dia em 2026.
Concretização do Direito a Reparar
Em 2024 foi aprovada a Diretiva do Direito à Reparação. Portugal tem até 31 de julho de 2026 para proceder à sua transposição para a legislação nacional. Esta Diretiva é uma oportunidade para criar uma cultura pró-reparação e cada Estado-Membro deve agora escolher o conjunto de medidas que deseja implementar no seu território. A ZERO tem a expectativa de que na transposição Governo Português introduza a iniciativa de apoio/cupões de reparação, garanta a formação de mão de obra especializada e promova a criação de uma plataforma digital nacional que possa apoiar os consumidores a concretizarem o seu direito a reparar.
A ZERO deseja um excelente ano de 2026 para todos!
Fonte: ZERO













































