Ao Douro Superior vão chegando alguns imigrantes indianos em busca de um contrato de trabalho que lhes permita obter autorização de residência. Há prestadores de serviços que não os querem contratar por lhes faltar conhecimento para fazer uma poda ou uma enxertia. Rodrigo Gusmão ensina-os a fazer trabalhos mais simples e depara-se com relatos reveladores de abuso, com o de Binzu Mathew
Tantas vezes o produtor agrícola Rodrigo Gusmão se afligiu com falta de mão-de-obra no Douro. “Tinha 25 hectares e sentia-me na mão de meia dúzia de homens capazes de fazer o trabalho necessário.” Resolveu criar a sua própria empresa de prestação de serviços recorrendo a estrangeiros. Depressa se deparou com a acção das máfias e procurou desviar-se delas.
Já lhe ofereceram dinheiro para fazer contratos de trabalho e comunicar a admissão à Segurança Social. “Fiz print screen e reencaminhei para a polícia.” Já lhe aconteceu estar a contratar alguém e perguntarem-lhe: “Tenho de pagar quanto?” “Não, eu é que tenho de pagar”, retorquiu.
O enfermeiro Binzu Mathew, chefe da equipa que tem a trabalhar no Douro Superior, pagou sete mil euros a uma agência de recrutamento indiana para viajar para Portugal com um visto de trabalho. Aterrou em Lisboa no final de Julho de 2019 e, afinal, não tinha trabalho. Disseram-lhe que “estava difícil”. Pôs-se à procura. Rodrigo publicara um anúncio num dos grupos de Facebook de indianos em Portugal. Binzu respondeu-lhe. E avançou para as vindimas.
Quando se pergunta a Binzu porquê Portugal, responde, em inglês, sem rodeios: “Portugal é um país bom para arranjar o cartão de residência.” O seu objectivo já foi obter o cartão e partir, como outros. Agora, é chamar a mulher, também enfermeira, a trabalhar na Arábia Saudita, e os filhos, que ficaram com os avós paternos, na Índia. “Estou a tentar viver aqui.” Quão difícil será aprender português, ter as habilitações reconhecidas e trabalhar como enfermeiro?
Chegou na mais agitada época do ano ao Douro. São 45 mil hectares de vinha para vindimar, sintetiza Mário Joaquim Abreu Lima, vice-presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal. “Não temos gente para isso. A maior parte dos produtores de uvas não recruta directamente, não tem capacidade para isso, recorre a empreiteiros agrícolas.”
Antes, só as épocas de pico exigiam mão-de-obra de fora da região. Os trabalhadores sazonais formavam as chamadas “rogas”, que com os seus folguedos tratavam da apanha, do transporte, da lagarada. Com o êxodo rural, a emigração, o envelhecimento, a falta de mão-de-obra alargou-se ao ano todo. Quanto mais se sobe o Douro, mais se sente.
No Baixo Corgo e no Cima Corgo, que antes se chamava Alto Douro, ainda vai havendo braços para trabalhar. No Douro Superior, é o drama. “Se não viessem pessoas de fora, não tínhamos capacidade de agricultar as vinhas”, reconhece Manuel Cordeiro, presidente da Câmara de São João da Pesqueira. Ao romper do dia e a meio da tarde é ver as carrinhas de nove lugares