Os sinais desta semana, com base em relatórios publicados ou em conclusões de eventos internacionais, não só confirmam que a Alimentação é um tema relevante como nos obrigam a insistir no argumento de que a agricultura, o setor agroalimentar, e consequentemente, a segurança e a soberania alimentar devem ser temas essenciais na agenda político-mediática.
Foi com este pressuposto que participámos no podcast do Expresso “Money, Money, Money” de 24 de julho, sobre o tema “A segurança alimentar em Portugal está ameaçada?”, um pouco à luz das Estatísticas Agrícolas 2023 publicadas pelo INE.
Seria aqui muito fastidioso analisar os números e é evidente que cada um de nós não deixará de retirar as suas conclusões, mas permitam-me destacar algumas ideias-chave: tivemos um agravamento do déficit agroalimentar, situando-se na ordem dos 5,5 mil milhões de euros; assistimos à pior campanha dos cereais de que há memória, enquanto aumentámos as importações (e o peso da Ucrânia) face ao ano anterior; o setor da produção animal resiste (e bem, apesar de tudo) e o consumo continua em alta, globalmente, impulsionado pela carne de aves; esse consumo está a ser alimentado pelas importações, uma vez que a oferta nacional não é suficiente para satisfazer a procura, mas também temos boas noticias do lado das exportações; a indústria alimentar cresceu em volume de vendas, situando-se nos 17 mil milhões de euros, com a indústria pecuária em alta, em particular, os setores das carnes e da alimentação animal.
Tudo isto não significa que estejamos globalmente melhor, porque os custos também aumentaram e é preciso mais para sermos sustentáveis e competitivos à escala europeia e mundial. Estamos mais dependentes no aprovisionamento de matérias-primas e de bens essenciais, existe capacidade de produção para a procura, pelo que temos de criar condições para que o País, os seus agricultores ou empresários, possam responder a esses desafios.
Estamos, pois, mais expostos às vulnerabilidades e tensões geopolíticas mundiais, desde logo às consequências da guerra na Ucrânia, pelo que ainda é mais relevante o impacto das políticas públicas.
Por tudo isto, impõe-se analisarmos algumas conclusões de relatórios divulgados esta semana, marcada pela reunião do G20 no Brasil, com o lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Surge numa altura em que sentimos, mais do que nunca, o impacto das alterações climáticas nas nossas vidas, quando existem estimativas que apontam para mais de 14 milhões de mortes até 2050. Inundações, secas, calor extremo, doenças, insegurança alimentar, migrações… uma enorme pressão sobre os sistemas de saúde, alimentação, cadeias logísticas.
O recente relatório da OCDE-FAO sobre as Perspetivas Agrícolas 2024-2033 retira algumas conclusões que importa reter: as economias emergentes, que têm liderado o desenvolvimento do denominado agronegócio, irão continuar esse “domínio” na próxima década; o papel da China no mercado global pode diminuir, transferindo-se para a Índia e o Sudeste Asiático, devido ao aumento populacional; o cumprimento do objetivo da fome zero será ainda muito lento e é vital o funcionamento das cadeias de abastecimento – sobre este tema, deixo uma nota para a questão do desperdício, bem como para as emissões na agricultura, que tenderão a crescer 5%, com a agravante de que o peso relativo no conjunto do total de emissões dos outros setores pode ser proporcionalmente mais elevado do que o atual. Uma outra conclusão é a de que, eventualmente, os preços das commodities podem tender a diminuir, mas não é crível que essa baixa tenha impacto no retalho, ou seja, nos preços ao consumidor.
Além deste estudo, temos o Relatório da FAO sobre “O estado da segurança alimentar e nutricional no mundo”, também de leitura obrigatória, e que nos mostra que, a seis anos de 2030, os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), sobretudo os relativos à fome e insegurança alimentar, estão por cumprir. Nesta análise, aborda-se a situação global de segurança alimentar, nutrição e desnutrição, obesidade e doenças não transmissíveis, alimentos ultra processados, fatores económicos e ambientais, apresentando recomendações e intervenções de políticas públicas.
O relatório sugere, nomeadamente, que são necessárias abordagens abrangentes e multissetoriais, estilos de vida saudáveis e escolhas alimentares, de modo que se alcancem as metas internacionais de nutrição. O Mundo não está no caminho certo para atingir nenhuma das sete metas globais de nutrição até 2030.
Com os problemas da má-nutrição (que afetam 733 milhões de pessoas) e da obesidade (na ordem dos 881 milhões, esperando-se um número superior a 1 bilião até 2030) infelizmente em alta, iremos estar sob grande pressão, acelerando provavelmente a discussão em torno dos sistemas alimentares sustentáveis. Agricultura, Economia, Ambiente e Saúde cada vez mais interligados.
Seja pela pandemia, pelas alterações climáticas ou pelo impacto das guerras e das tensões internacionais, falhámos na concretização dos ODS definidos pelas Nações Unidas. Talvez as metas tenham sido demasiado ambiciosas.
A Europa continua (e bem) a fazer a sua parte, mas é preciso uma forte cooperação internacional nos próximos anos e, sobretudo, confiança e compromisso. E comunicação, transparência, informação, bem como decisões com bases científicas. Sem ideologias.
O que tudo isto nos mostra é que existem fortes sinais de alarme e não os podemos ignorar. Todos temos a obrigação de os levar a sério, a começar pelos decisores políticos, na definição das políticas públicas, mas sem esquecer que também nós – representantes de organizações da cadeia agroalimentar, empresários ou consumidores – temos de fazer mais e melhor.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Fonte: IACA