Como certamente se recordam, na passada sexta-feira, na Contagem Decrescente, aqui refletimos sobre o que se poderia passar ao longo da semana que hoje termina, destacando o Conselho Agrícola de 15 de julho e o Plenário do Parlamento Europeu, que ontem reelegeu Úrsula Von der Leyen para um mandato de mais cinco anos como Presidente da Comissão Europeia.
Com esta eleição, estão definidos os lugares de topo das instituições europeias, em que Portugal, com António Costa, vai assumir (e bem) a liderança do Conselho Europeu, a partir de dezembro, como grande novidade, uma vez que Parlamento e Comissão seguirão uma linha de continuidade. Em boa verdade, talvez não seja bem assim: apenas se mantêm os líderes atuais, porque a composição do Parlamento, bastante fragmentado, mais volátil e imprevisível – qual sinal dos tempos – vai exigir de Roberta Metsola maior capacidade de diálogo, pragmatismo, e “nervos de aço”.
Com tamanha volatilidade e instabilidade, a presidência húngara a ser alvo de críticas e boicotes político-diplomáticos, duas guerras, a Ucrânia como pano de fundo, uma situação difícil em França, a Alemanha longe do fulgor de outros tempos, tensões com a China, as promessas da integração da Ucrânia na NATO e o alargamento da União Europeia, para não falar das eleições presidenciais norte-americanas… paciência, arte, diálogo e negociação serão talentos indispensáveis nos próximos anos.
O “cordão sanitário” que se criou em Bruxelas para travar os ímpetos populistas, terá funcionado melhor do que o previsto, já que, nestas eleições em Estrasburgo, os presidentes do Parlamento e da Comissão tiveram um apoio mais amplo do que no mandato anterior. O facto é que, com um Parlamento mais dividido, foi conseguido o melhor resultado de sempre.
A reeleição da Presidente Von der Leyen (VDL) era, para nós, da maior importância, não só porque não era uma certeza, mas porque não se sabia até que ponto, nas peripécias das eleições e mudanças de votos, iria ou não precisar dos Verdes ou ficar refém de ambientalistas radicais, para a execução da sua estratégia.
No imediato, como aqui temos afirmado, temos o dossier da Desflorestação, porque VDL tem, à sua espera, não só uma carta do Comissário Agrícola, mas exposições de mais de 20 organizações europeias e uma expressão clara da maioria dos ministros da Agricultura a solicitar o adiamento da entrada em vigor da legislação sobre as cadeias de abastecimento livres de desflorestação.
O silêncio não pode continuar!
As consequências e os impactos de nada fazer podem ser brutais e absolutamente irresponsáveis para as cadeias de abastecimento, perante tamanha incerteza jurídica.
Como é normal, as interpretações sucedem-se, desde as certezas de que VDL não irá ficar refém dos Verdes, até ao facto de que, sem eles, não teria sido reeleita.
No discurso, não deixou de falar da construção europeia e da relevância da União no quadro geopolítico global, da coesão e Alargamento face às ameaças, da segurança e defesa, dos valores europeus e, naturalmente, das alterações climáticas, a olhar para os mais jovens, com a prossecução da política do Pacto Ecológico Europeu e as metas climáticas, sem grandes recuos relativamente ao anterior mandato.
Veremos a que velocidade e com que amplitude. Como vamos responder à transição verde, assegurando a competitividade das empresas, o combate à burocracia e a simplificação há muito esperada pelos agricultores e pela indústria agroalimentar?
Pelo que sabemos, será dada particular atenção à Habitação e às questões do Mediterrâneo, pela complexidade das migrações, enquanto se fala de uma competitividade no mercado global e de uma prosperidade com “base verde”.
Uma transição ecológica que não comprometa a sustentabilidade das empresas, a segurança alimentar e, num outro plano, a vida dos cidadãos e a sua aproximação às instituições europeias, poderá configurar uma autêntica quadratura do círculo.
O Conselho Agrícola foi particularmente claro quanto à EUDR, que, recorde-se, é um dos instrumentos do Green Deal, no apelo ao adiamento da sua entrada em vigor porque a Europa não está em condições de a implementar com consistência, rigor e transparência. Temos de agradecer ao Ministro José Manuel Fernandes a sua intervenção, tal como as posições da Finlândia, Suécia, Polónia, Itália, a par da Áustria e de um conjunto de Estados-membros que apoiaram o documento base apresentado pelos austríacos. Espanha tem aqui uma posição complicada, porque Agricultura e Ambiente não partilham a mesma posição.
Por outro lado, o Ministro da Agricultura e Pescas mostrou igualmente no Parlamento nacional estar alinhado com o setor agroalimentar, ao defender, com bom-senso, o óbvio: que é possível compatibilizar agricultura e ambiente, ter liberdade de escolha nas opções alimentares que fazemos e que não nos devem ser impostas; o combate às alterações climáticas ou a defesa do bem-estar animal não podem ser feitos à revelia dos que trabalham no setor agropecuário.
Na mesma linha esteve, na VII Gala do Porco D’Ouro, cuja excelência de organização da FPAS aqui se saúda, o Secretário de Estado João Moura, ao destacar a importância da suinicultura para a economia nacional, mundo rural e resposta aos desafios da sociedade. Os números comprovam o bom trabalho efetuado pela Fileira, e os indicadores de que hoje dispomos, com base na Ciência, no Conhecimento e na Tecnologia, mostram que é do melhor que se produz a nível mundial.
Apesar de tudo, “respiramos” hoje um pouco melhor, em Portugal e (assim o esperamos) no quadro da União Europeia. No entanto, a escolha dos Comissários, que agora começa, vai ser determinante para percebermos alinhamentos e estratégias. Qual será a nossa pasta e o responsável? Existem muitas teorias nos “mentideros” de Bruxelas, que não iremos aqui alimentar, mas os países posicionam-se.
Para já, impõe-se uma resposta urgente quanto ao dossier da Desflorestação, para não complicar ainda mais as perspetivas de curto/médio prazo. E agora, Von der Leyen?
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Fonte: IACA