Donald Trump afirmou recentemente que a carne de bovino está “mais cara do que gostaria” e que tinha tomado medidas para contrariar o aumento de preços. Com a modéstia de sempre afirmou: We did something, we worked our magic.
A magia de Trump foi apenas, pasme-se, quadruplicar a quota de importação de carne da Argentina com tarifas reduzidas.
De facto, o preço da carne de bovino nos EUA tem registado uma subida significativa, gerando algum descontentamento na classe média. Os dados apontam para um aumento médio de 15% no último ano, sendo superior a 20% se considerados os últimos dois anos. O motivo deste aumento é a redução do efectivo bovino e a consequente diminuição de oferta de carne no mercado.
Fruto de vários anos de seca e da consequente falta de alimento, o efectivo de bovinos de carne nos EUA caiu 11,9% em 6 anos. São menos 3,78 milhões de cabeças de gado, registando-se actualmente o menor número de animais desde os anos sessenta. Apesar desta diminuição ter começado há alguns anos, a quebra na oferta de carne fez-se sentir apenas no último ano, precisamente porque, à medida que os criadores de gado iam diminuindo os seus efectivos, os animais refugados entravam no mercado e os consumidores foram tendo carne disponível sem que o preço aumentasse, ainda que hipotecando a produção futura. Assim, o efeito da diminuição dos efectivos está a sentir-se e continuará nos próximos anos, levando o preço da carne a máximos históricos.
Mesmo que a tendência seja de alguma recuperação dos efectivos, esta levará anos mantendo em baixo a oferta de carne. Acresce que, apesar dos preços em alta, muitas explorações estão numa situação financeira difícil, fruto da adversa conjuntura dos últimos anos, sendo a sua recuperação financeira um processo moroso.
Trump, com taxas de aprovação relativamente baixas (57% dos americanos não aprovam o desempenho do Governo) tentou agradar à classe média, permitindo o aumento das importações de carne da Argentina e, simultaneamente, deu uma ajuda ao presidente Milei em período de campanha eleitoral.
Analisando os dados, torna-se claro que a “magia” de Trump é puro ilusionismo e não passa de propaganda. O presidente que, segundo o próprio, adora tarifas e que foi eleito com o apoio da América rural e a promessa do proteccionismo da economia, põe em causa ambos por mera estratégia política. O aumento das importações anunciado, dificilmente terá impacto no preço da carne.
A Argentina é o sexto maior produtor de carne do mundo e o quinto maior exportador, tendo aumentado recentemente a exportação sobretudo para a China, Israel, União Europeia e Estados Unidos. Com um dos maiores consumos per capita do mundo, o mercado interno absorve a grande maioria da produção de carne bovina do país. Assim, a Argentina não produz em volume suficiente para alterar significativamente o mercado americano de carne, tanto mais que o tipo de carne vendida aos EUA tende a ser para utilização em picados.
Trump usou assim o preço da carne, uma manifesta preocupação dos consumidores, como arma política. Deu um incentivo à campanha de Milei, a necessitar de aumentar as exportações da Argentina, atacou indirectamente o Brasil de Lula, esse sim, um exportador de carne para os EUA com algum peso, e deu um sinal de preocupação à classe média.
As críticas do sector pecuário não se fizeram esperar, mas, tal como cá, o peso político do sector é menor e Trump sabe que, mesmo com críticas pontuais, conta com o apoio dos agricultores. Acções como a de Trump, ainda que sem efeitos práticos, conseguem perturbar o mercado e acrescentar incerteza a uma produção já de si muito dependente de factores externos e com um enorme risco devido ao longo ciclo.
Portugal está fortemente dependente das importações de carne de bovino para assegurar o consumo interno. Apesar de um pequeno aumento da produção no último ano (3,4%), somos severamente deficitários, importando mais de 40% do que consumimos. Tal como nos EUA o preço da carne tem vindo a subir, permitindo aos produtores alguma recuperação financeira, mas dificultando a aquisição pelos consumidores.
O nosso país está muito exposto a volatilidades de mercado, sobretudo em sectores em que a dependência do exterior é maior. A renacionalização parcial da PAC, acentuará as desigualdades entre diferentes estados-membro e regiões e as condições geopolíticas obrigam a repensar as estratégias de trocas comerciais e a severa dependência em alguns produtos básicos. É pois, fundamental, que o país pense o sector agrícola, promova a produção nacional e diversifique mercados fornecedores.
Trump usou o preço da carne como estratégia política, não se inibindo de contradizer o fundamental da sua política económica e desagradar a uma classe que sempre o apoiou. Na Europa e, sobretudo em Portugal, o sector pecuário tem muito menos força que nos Estados Unidos da América. Se Trump não hesitou, imaginemos o que poderá acontecer numa Europa com uma liderança política enfraquecida, sem estratégia e cada vez mais focada na mera sobrevivência das instituições.
Zootécnico













































