Tendo acabado, aparentemente, a novela relativa ao Orçamento do Estado para 2025, na verdade com muito menor ambição face ao esperado e deixando às novas gerações e futuros eleitores uma péssima imagem da classe política– afinal, a quem interessariam novas eleições, se não serviam para clarificar coisa alguma? – os ventos que sopram de Bruxelas também não parecem ser muito animadores. A poucos dias das eleições presidenciais norte-americanas e com duas guerras a escalar, os tempos espelham, infelizmente, o desrespeito e a fragilidade das instituições supranacionais.
É verdade que a entrada em vigor da EUDR foi adiada pelo período de 12 meses – embora não esteja ainda confirmada na sua plenitude –, mas é importante não esquecer que uma das contrapartidas será a não revisão do Regulamento. O que está previsto é apenas o dar condições aos operadores e às autoridades oficiais dos diferentes Estados-membros para o seu cumprimento, com transparência e rigor, tendo em conta que o principal objetivo é o combate à desflorestação.
Nas recentes discussões no âmbito do Comité ENVI, muitos eurodeputados manifestaram insatisfação pelo facto de a Comissão ter feito todo o trabalho técnico e ter estado na posse da respetiva documentação durante meses sem a tornar pública, mas afirmaram não ter outra opção senão concordar com o atraso. O prazo de um ano deve, agora, ser utilizado de forma sensata, para garantir que todas as partes estão preparadas. Outros parlamentares sublinharam que só aceitariam o adiamento de um ano e não concordariam com qualquer outra alteração ao texto, enquanto outros lamentaram a carga burocrática que a legislação impõe às empresas da UE. Pelo que sabemos, PPE, S&D e Renew vão apoiar a proposta da Comissão e os membros do ECR também deverão aprovar a alteração. Os Verdes parecem opor-se a uma prorrogação.
O Parlamento Europeu deverá votar o dossiê na sua sessão plenária de 13 e 14 de novembro.
Com o Conselho Europeu a apoiar a proposta, os 12 meses vão ser uma realidade, mas não tenhamos ilusões. O adiamento não vai resolver as questões sobre as quais aqui refletimos por diversas vezes e que se traduzem em aumentos de custos, pelas exigências, muitas delas a necessitarem de simplificação e adaptação à realidade, como a geolocalização e a rastreabilidade, que confirmam os certificados de diligência devida (DDD). Além disso, para os ambientalistas, ficou a ideia de que se perdeu uma oportunidade de se iniciar a grande peça legislativa do Pacto Ecológico Europeu. Não sabemos se foi essa a mensagem que passou para a opinião pública, mas é certo que vamos assistir a uma maior pressão da parte do Parlamento Europeu para a implementação das cadeias de abastecimento livres de desflorestação no prazo agora previsto.
Convém não esquecer que temos um Parlamento bastante fragmentado, que tenderá a transformar qualquer dossiê num tema ideológico – este é um bom exemplo, seja à direita ou à esquerda – e que vai ser difícil uma revisão do Green Deal, sobretudo da Estratégia do “Prado ou Prato” – até porque não tem metas vinculativas. Do mesmo modo, não é seguro que possamos assistir a um maior equilíbrio nas decisões políticas, entre Agricultura e Ambiente.
O que sabemos é que as verbas para a PAC tenderão a diminuir, e que é muito importante aumentar o contributo dos Estados-membros para o orçamento da União Europeia, tal como avançou o primeiro-ministro de Portugal, sendo necessário encontrar montantes de apoio fora dos tradicionais programas para a Agricultura.
Numa altura em que discute a revisão do Quadro Financeiro Plurianual, com as novas prioridades da continuidade (reforço?) das ajudas à Ucrânia, as migrações ou o combate às alterações climáticas e a gestão de catástrofes (infelizmente, cada vez mais frequentes), é importante integrar estas dimensões no Diálogo Estratégico, bem como analisar o PEPAC, e preparar este novo ciclo. E aqui não podemos esquecer o dossiê da água e a gestão eficiente e sustentável dos recursos hídricos como contributo para a segurança alimentar.
Porque, mais do que mera consumidora, a Agricultura deve rever-se na ”Água que nos Alimenta”, uma reflexão que aqui fizemos, em agosto de 2022, em plena seca e debate público sobre este tema tão decisivo e que não pode ser fraturante na nossa sociedade.
De facto, enquanto se vão acelerando as discussões sobre o futuro da Agricultura, e da Alimentação, tendo por base o documento estratégico, e se vão desenhando as orientações da Comissão e do Comissário escolhido para a pasta da Agricultura e Alimentação, convém não nos afastarmos desta discussão, fazendo valer as nossas ideias e princípios, preparando, pois, este novo ciclo que se desenha.
Também por isso, no quadro do European Livestock Voice, estamos a trabalhar num Intergrupo para uma “Pecuária Sustentável”, no Parlamento Europeu, para o qual contamos com o apoio dos eurodeputados portugueses.
Os intergrupos são fóruns para trocas informais de pontos de vista sobre questões específicas entre diferentes grupos políticos e para o contacto entre os deputados e a sociedade civil. Não são órgãos oficiais do Parlamento, mas são reconhecidos pelo Parlamento Europeu, até porque são criados por acordo entre os presidentes dos grupos políticos no início de cada legislatura (ver mais pormenores aqui).
Nesta fase, em que serão selecionados 27 Intergrupos, o objetivo é assegurar o apoio de um número mínimo de eurodeputados destes três grupos políticos, sendo que a decisão será tomada até ao final de novembro, na sessão plenária do PE. Os presidentes dos grupos políticos terão a última palavra no que respeita às suas listas de prioridades para os intergrupos.
A nossa mensagem é relativamente clara:
“Tal como salientado no relatório sobre o diálogo estratégico sobre o futuro da agricultura europeia, o setor da pecuária emprega 4 milhões de pessoas e representa 40% da agricultura europeia. Os animais de criação são parte integrante das zonas rurais da Europa, participando na formação das paisagens vibrantes e diversificadas da Europa. A pecuária contribui para a sustentabilidade e a circularidade da agricultura europeia. E os produtos provenientes das explorações pecuárias da Europa desempenham um papel crucial na vida quotidiana de milhões de europeus e na balança comercial da UE. Fazem parte da história da Europa, nomeadamente através das nossas muitas tradições culinárias locais. No entanto, a criação de animais é cada vez mais vista apenas por aspetos negativos, como a poluição ambiental, a perda de biodiversidade ou o sofrimento dos animais. Todos concordamos que devem ser exploradas e desenvolvidas vias de melhoria dos sistemas de criação animal da UE para permitir que o setor se torne mais sustentável do ponto de vista ambiental, social e financeiro, garantindo simultaneamente a segurança alimentar, a saúde e o bem-estar dos animais, uma melhor nutrição e comunidades e paisagens rurais vibrantes na Europa.
O Intergrupo ‘Pecuária Sustentável’ tem por objetivo proporcionar uma plataforma para que deputados de todo o espetro político, cientistas e representantes dos sectores e da sociedade civil discutam e partilhem ideias sobre a diversidade de práticas existentes, mas também sobre novos métodos e técnicas para apoiar e melhorar os sistemas de criação de animais, bem como para desenvolver ferramentas informativas que permitam aumentar a sensibilização para a produção alimentar.”
Temos, assim, de preparar o novo ciclo. Ninguém o fará por nós!
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Mudanças urgentes e necessárias – Jaime Piçarra – Notas da semana