Vivemos um momento de viragem histórica. Um velho mundo político e económico está a desaparecer, enquanto um novo se impõe, impulsionado por uma revolução tecnológica sem precedentes. A inteligência artificial, a robotização, a digitalização e outras inovações estão a transformar radicalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos organizamos em sociedade.
Neste novo mundo, o conhecimento é o principal motor de desenvolvimento. No entanto, Portugal continua a negligenciar os seus recursos mais básicos — os naturais — e, em particular, a sua agricultura. Somos um dos países da União Europeia com maior dependência alimentar externa: mais de 70% dos alimentos que consumimos são importados, o que representa um encargo superior a 15 mil milhões de euros por ano. Esta dependência, num contexto de alterações climáticas e crescente instabilidade geopolítica, é não só insustentável como perigosa.
A agricultura portuguesa enfrenta desafios estruturais profundos. No Norte e Centro do país, onde se concentra cerca de 70% das explorações agrícolas, a média de área por exploração é inferior a 6 hectares — uma dimensão que compromete a viabilidade técnica e económica. A idade média dos agricultores ronda os 65 anos, o que evidencia um setor envelhecido e pouco atrativo para os jovens.
É urgente uma reforma do minifúndio nestas regiões, onde a disponibilidade de água é relativamente favorável. Devemos discutir a criação de uma linha de crédito específica para jovens agricultores, que permita a aquisição de terrenos com áreas entre os 10 e os 30 hectares, com prazos de pagamento até 30 anos e um período de carência de 5 anos. Esta medida, financiada através do Banco Europeu de Investimento, permitiria reestruturar a dimensão das explorações, rejuvenescer o setor, reduzir a dependência alimentar externa e mitigar o risco de incêndios florestais, ao promover uma ocupação ativa e produtiva do território.
A Política Agrícola Comum, embora essencial, precisa de uma reforma profunda. É necessário recentrar as prioridades no investimento, modernização e inovação, em detrimento da subsidiação passiva. A agricultura do futuro exige conhecimento, tecnologia e gestão eficiente dos recursos.
A água, em particular, deve ser tratada como um bem estratégico. A promoção da ampliação da superfície de regadio em Trás-os-Montes e na Beira Interior deve ser a prioridade nacional, pois os agricultores assentam na sua utilização racional e eficiente, articulando a valorização económica com a sustentabilidade ambiental. A captação racional de águas subterrâneas, o armazenamento de águas superficiais, a modernização dos sistemas de regadio público, são medidas fundamentais para aumentar a resiliência da agricultura portuguesa face à seca e à desertificação.
Portugal tem todas as condições para ser uma referência na agricultura sustentável e inovadora, caso coloque o regadio no centro da sua política agrícola. Falta-nos apenas visão estratégica, coragem política, vontade de romper com o imobilismo e persistência em fazer o que deve ser feito.
O futuro constrói-se com decisões no presente — e a agricultura deve estar no centro dessa construção.
Escritor e engenheiro do ambiente