(Artigo publicado na edição de Maio por João Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Transição Energética)
Portugal está entre os países europeus mais afectados pelos efeitos das alterações climáticas. Entre os efeitos esperados contam-se alterações nos padrões de precipitação, aumento da temperatura média e o aumento da intensidade e frequência dos fenómenos meteorológicos extremos. Estes fenómenos aumentam o risco de seca, de inundações, de incêndios. A agricultura é um dos sectores particularmente afectado. Os agricultores já hoje se confrontam com estas alterações e com as consequências dos seus efeitos.
Os mais recentes estudos desenvolvidos pelas Nações Unidas confirmam que os efeitos das alterações climáticas já se fazem sentir no nosso quotidiano. O aumento da temperatura média global alcançou 1 ºC. Cada dia que passa sem uma actuação veemente contra as alterações climáticas torna mais difícil conter este aumento da temperatura a 1,5º, tal como preconiza o Acordo de Paris.
Para fazer frente às alterações climáticas podemos ter abordagens focadas na mitigação – redução de emissões de gases com efeito de estufa – e de adaptação – adoptar medidas que nos permitam reduzir as vulnerabilidades e aumentar a resiliência aos efeitos das alterações climáticas.
A agricultura, tal como outros sectores, terá assim que enfrentar esta nova realidade e interiorizar a necessidade de adaptação aos seus efeitos. A água tornar-se-á um recurso cada vez mais escasso e necessariamente sujeito a uma gestão mais criteriosa. A desertificação é um fenómeno que tenderá a progredir se não forem tomadas medidas de protecção do solo e de gestão dos recursos hídricos, a par com medidas de protecção dos ecossistemas. Os fenómenos meteorológicos extremos apresentam também riscos para a agricultura, potenciando os danos, o que por sua vez será reflectido nos seguros agrícolas. A instalação de espécies e variedades melhor adaptadas às mudanças no clima e aos eventos extremos, a redução de perdas de água e a adopção de práticas de regadio promotoras do uso mais eficiente e sustentável do recurso água, contam-se entre as medidas de adaptação a implementar.
O que a ciência nos diz é que ainda é possível limitar os efeitos das alterações climáticas se forem alcançadas reduções significativas de gases com efeito de estufa durante a próxima década.
Portugal assumiu em 2016 o objectivo político de ser uma economia neutra em carbono em 2050, ou seja, de alcançar um balanço neutro entre as emissões de gases com efeito de estufa e o sequestro de carbono. Para esse efeito, desenvolveu o Roteiro para a Neutralidade Carbónica, que aponta os caminhos para concretizar este desígnio, de forma sustentada, apresentando as opções custo eficazes e a trajectória para atingir este fim, em diferentes cenários de desenvolvimento sócioeconómico. No sector da agricultura, estes cenários tiveram em consideração o ritmo da abertura da agricultura da União Europeia aos mercados agrícolas internacionais, a evolução da procura de bens alimentares em Portugal, decisões de política agrícola nacional e europeia e opções tecnológicas e de descarbonização. Cabe contudo referir que os cenários estudados apontam grandes tendências, identificam soluções de descarbonização mas não configuram propostas de actuação.
Atingir a neutralidade carbónica em 2050 exige em Portugal uma redução de emissões superior a 85% em relação às emissões de 2005 e uma capacidade de sequestro de carbono de 12 milhões de toneladas, a qual é superior à actual capacidade. Até 2030, deverá ser atingida uma redução de emissões entre 45% e 55%, em relação a 2005.
Apesar de todos os sectores contribuírem para a redução de emissões, cabe ao sistema energético o maior contributo. Para esse efeito, em 2050, 100% da electricidade deverá ser proveniente de fontes renováveis, o transporte urbano 100% limpo, assumindo um papel central a mobilidade eléctrica, os edifícios descarbonizados e o uso da energia muito mais eficiente.
E apesar da transição energética assumir um papel de destaque, os restantes sectores também são fundamentais para esta transição, como é o caso da agricultura, dos resíduos e das florestas, através da sua capacidade para sequestrar carbono.
O sector agrícola representa actualmente cerca de 10% das emissões nacionais de gases com efeito de estufa, sendo o sector que mais contribui com emissões de metano e de óxido nitroso. Destas, 83% dizem respeito à pecuária. Em 2050, perspectiva-se que a agricultura passe a representar cerca de 36%, assumindo um peso significativo nas emissões nacionais.
No caminho para uma economia neutra em carbono, o sector agrícola também deverá dar o seu contributo. O que se pede é que reduza pelo menos 20% face às emissões de 2005. Outros sectores como os transportes e a produção de energia terão reduções de emissões superiores a 90% face a 2005.
Importa assim identificar as opções de política e as medidas de descarbonização que permitam alcançar este objectivo. Que possam também fomentar a competitividade e a inovação no sector agrícola e pecuário.
O Roteiro identifica opções como a manipulação da dieta dos bovinos, designadamente através da melhoria da digestibilidade ou da introdução de aditivos alimentares, o melhoramento genético e de gestão da manada, bem como uma gestão eficiente dos efluentes da pecuária. Por sua vez, aponta o aumento das áreas de agricultura de precisão, associadas a uma gestão eficiente da água e dos fertilizantes e o aumento das áreas de agricultura em modo biológico, como acções a prosseguir.
Importa ainda aproveitar o potencial de sumidouro agrícola, designadamente o associado a pastagens biodiversas, a técnicas que reduzam a mobilização do solo, bem como assegurar uma floresta sustentável, produtiva e resiliente, simultaneamente reduzindo os incêndios e a área ardida.
Algumas destas medidas constituem também medidas de adaptação às alterações climáticas. Os agricultores são certamente os primeiros a sofrer os efeitos das alterações climáticas, pelo que admito que se mobilizem também para evitar os seus piores efeitos, contribuindo também para a descarbonização da sua actividade.
Desde o início que assumimos que atingir a neutralidade carbónica seria um desafio para a nossa sociedade e que só com o apoio de todos se poderia abraçar este desafio. Mas esta constitui também uma oportunidade para reflectir sobre o território, sobre a economia e sobre o futuro que queremos para o nosso país.
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