[Fonte: Observador] Floresta muito densa, falta de limpeza, despovoação, temperaturas altas e penas pouco dissuasoras. Porque é que Portugal continua a arder assim? Especialistas ajudam a responder.
É, provavelmente, o lamento que mais ouviu durante este fim de semana: “Chega o verão e é isto! Fogo por todo o lado”. Entre sábado e domingo, mais de mil bombeiros procuraram combater vários incêndios, sobretudo no interior do país. O mais grave e preocupante começou ainda no distrito de Castelo Branco, mas acabou por alastrar para Santarém — e, especificamente, para o concelho de Mação. Por ali, as populações dizem que é assim quase todos os anos. E que, quase todos os anos, continua a acontecer sem que nada mude. É certo que, no caso do fogo que começou em Castelo Branco, a Polícia Judiciária suspeita de mão criminosa — sobretudo depois de terem sido encontrados artefactos incendiários em vários locais de Vila de Rei. Mas o que faz com que o cenário se repita assim, anualmente, quase que como uma inevitabilidade?
Perguntámos a especialistas em incêndios e florestas e reunimos as opiniões em sete respostas sobre o problema.
Temos uma floresta pouco diversificada?
Na floresta portuguesa predominam as plantações de eucaliptos e pinheiros, duas espécies particularmente inflamáveis.
José Cardoso Pereira, especialista em incêndios e professor catedrático do departamento de engenharia florestal do Instituto Superior de Agronomia, considera, no entanto, que “o problema é mais da gestão da floresta do que das espécies em si”. Critica, por isso, as políticas dos últimos anos de incentivos a uma “arborização excessiva”. “Criou-se uma mancha contínua, muito extensa, de vegetação bastante suscetível ao fogo, inicialmente de pinhal. Depois, parte foi sendo substituída por eucaliptal, à medida que o pinhal ia ardendo”. A opção por estas espécies prende-se com a rentabilidade que trazem aos proprietários e com o facto de não só se adaptarem bem em praticamente qualquer território, como também de crescerem rapidamente.”Se lá tivéssemos carvalhos ou castanheiros, se tivermos quilómetros de mato e ninguém fizer nada… iria arder da mesma maneira. Não é outra espécie que resolve o problema.”José Cardoso Pereira, professor do Instituto Superior de Agronomia
Mas, defende o especialista, a solução não passa pela substituição destas espécie, e sim pela “desarborização inteligente nalguns locais”, com a criação de espaços abertos para a compartimentação do espaço rural com outras ocupações da terra, como a agricultura ou pastagem, “que quebrem a brutal continuidade da mancha de floresta”.
“Se lá tivermos carvalhos ou castanheiros, se tivermos quilómetros de mato e ninguém fizer nada… iria arder da mesma maneira. Não é outra espécie que resolve o problema”, defende o especialista. E critica: “Mação, até aos fogos de 2017, tinha perto de 90% da área do território florestada”. José Cardoso Pereira considera, por isso, que “é preciso mais apoio à gestão da floresta do que à expansão da área florestada.”
Domingos Xavier Viegas, especialista em incêndios, diz, por sua vez, que “há ainda muito material queimado no terreno de anos anteriores”, que não foi limpo. Trata-se de mais “carga combustível”.V
Há pouca limpeza das matas e florestas?
Ainda que reconheça que “tem sido feito um esforço significativo por parte das populações, que estão mais sensibilizadas para a limpeza dos terrenos”, o professor Xavier Viegas admite, porém, que “[esse esforço], infelizmente, ainda não é universal”.