Deles depende a continuidade de grande parte das plantas – desde as pequenas flores campestres a muitas das árvores das nossas florestas. Falamos dos polinizadores, os responsáveis pela primeira etapa da reprodução sexual das plantas, essencial à manutenção da biodiversidade e à renovação dos ecossistemas.
Os polinizadores visitam as flores com o objetivo de recolher alimento para si mesmos e para os seus descentes ou comunidades. Ao fazê-lo, ajudam à transferência de grãos de pólen das estruturas masculinas de uma flor (as anteras) para a parte feminina (o estigma) da mesma flor, ou de outra, da mesma espécie.
Os insetos são os principais responsáveis por esta transferência – que também pode ser feita à boleia de outros animais, do vento e da água – e o seu contributo inicia o processo de fecundação que vai levar ao desenvolvimento dos frutos e sementes, as quais darão depois origem a novas plantas.
A polinização pode ocorrer de diferentes formas:
Direta, quando os grãos de pólen caem sobre o estigma da própria flor que o originou. Também chamada autopolinização (ou autogamia), é mais comum em plantas com flores que contêm simultaneamente órgãos sexuais femininos e masculinos – as flores bixessuadas ou monoicas;
Indireta, quando o pólen de uma flor cai sobre o estigma de outra flor da mesma planta. Ocorre em plantas com flores que têm apenas um dos sexos – plantas dioicas;
Cruzada, quando os grãos são transportados de uma planta para outra. Pode ocorrer em ambos os tipos de plantas.
Os polinizadores podem ajudar nos três processos. Por exemplo, o bater das suas asas pode fazer estremecer a flor, ajudando à libertação do pólen. No caso da polinização cruzada, a distância a que transportam o pólen é essencial para a fecundação entre flores de diferentes plantas e até de diferentes populações de uma espécie, o que contribui para a aumentar a sua variabilidade genética e capacidade de adaptação.
Estima-se que cerca de 80% das plantas com flor dependam da ajuda dos animais para se reproduzir, o que ilustra bem a importância deste serviço ecológico proporcionado pelos polinizadores. E isto acontece em prados e florestas, mas também nos campos onde crescem muitas das plantas e árvores que nos proporcionam alimentos tão distintos como o alho (na foto), as ervilhas, o café ou as amêndoas, já que cerca de 75% das culturas agrícolas também precisam desta ajuda.
Na União Europeia, cerca de oito em cada dez flores silvestres e culturas agrícolas dependem, em diferentes graus, dos polinizadores e a contribuição anual do serviço ecológico que prestam para a agricultura foi estimada (já em 2015) em cerca de 15 mil milhões de euros.
A ajuda dos polinizadores é especialmente importante no caso das espécies autoincompatíveis, ou seja, as espécies cujas flores não podem ser fertilizadas pelo pólen que produzem. A amendoeira é um exemplo e para promover a polinização são inclusive contratados apicultores que deslocam as suas colmeias aos amendoais, disponibilizando este serviço com benefícios para a alimentação das abelhas e para a formação dos frutos. A ajuda humana, com escovas polinizadoras e até drones especializados, estão entre as soluções de polinização artificial.
Os polinizadores mais observados em Portugal
Na Europa, os polinizadores são maioritariamente insetos e as abelhas são consideradas o grupo mais relevante, com cerca de 2000 espécies nativas, revela o Laboratório da Paisagem, no “Guia dos insetos polinizadores de Guimarães”.
Em Portugal existem mais de 1000 espécies de insetos polinizadores, entre abelhas, abelhões, vespas, moscas, borboletas e escaravelhos, indica a Ciência Viva, no projeto de dinamização escolar “Polinizadores em Ação”.
Mas quais serão os principais ou, pelo menos, os mais vistos?
No projeto de ciência cidadã “Polinizadores de Portugal”, com registos na plataforma BioDiversity4ALL, o top 10 das espécies mais observadas é ocupado por nove insetos – quatro deles borboletas – e um réptil. Já no projeto “PolinizAÇÃO – Plano de Ação para a Conservação e Sustentabilidade dos Polinizadores”, que também tem uma iniciativa de ciência cidadã com registos na mesma plataforma, os 10 polinizadores mais observados são todos insetos, quatro deles moscas (registos a 19 de maio de 2025).
Várias espécies são comuns às observações dos dois projetos, como acontece com a abelha-melífera, o abelhão terrestre, o jaquetão-das-flores-mediterrânico e a borboleta-pequena-da-couve.
Polinizadores com mais registos de observação
Projeto “Polinizadores de Portugal” | Projeto “PolinizAÇÃO” |
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1. Borboleta Malhadinha (Pararge aegeria) | 1. Abelha-do-mel (Apis melífera) |
2. Abelha-do-mel (Apis melífera) | 2. Abelhão terrestre (Bombus terrestres) |
3. Borboleta almirante-vermelho (Vanessa atalanta) | 3. Jaquetão-das-flores-mediterrânico (Oxythyrea funesta) |
4. Joaninha-de-sete-pintas (Coccinella septempunctata) | 4. Besouro-capuchinho (Heliotautos ruficollis) |
5. Jaquetão-das-flores-mediterrânico (Oxythyrea funesta) | 5. Mosca-zangão- europeia (Eristalis tenax) |
6. Abelhão terrestre (Bombus terrestres) | 6. Borboleta-pequena-da-couve (Pieris rapae) |
7. Lagartixa-da-Madeira (Teira dugesii) | 7. Mosca-das-flores-comum (Episyrphus balteatus) |
8. Borboleta-Cauda-de-Andorinha (Papilio machaon) | 8. Borboleta-da-couve (Pieris brassicae) |
9. Borboleta-pequena-da-couve (Pieris rapae) | 9. Mosca-gafanhoto (Stomorhona lunata) |
10. Traça Gymnoscelis rufifasciata | 10. Mosca-das-flores-alongada (Sphaerophoria scripta) |
Qualquer pessoa pode contribuir para registar a quantidade e diversidade de polinizadores em Portugal, através de vários projetos de “ciência cidadã”. O PolinizAÇÃO é um deles e quer melhorar o conhecimento sobre os insetos polinizadores ao nível nacional para poder traçar estratégias que combatam as causas do seu declínio, mobilizando e consciencializando a sociedade. As observações podem ser registadas numa aplicação móvel adaptada à realidade e língua portuguesa: a FITCount (disponível para Android no Google Play e para iOS iPhone/iPad na App Store). O mais difícil é saber identificar as espécies, mas a aplicação tem já muita informação visual que dá uma ajuda.
Uma em cada 3 espécies de abelhas, borboletas e moscas-das-flores está declínio e uma em cada 10 espécies de abelhas e borboletas está ameaçada de extinção, refere a Comissão Europeia. No entanto, pouco se sabe sobre esta realidade em cada país e este conhecimento é central para inverter declínios e extinções.
De flor em flor, para além dos insetos
Tal como indicam as observações da Lagartixa-da-Madeira, há outros animais polinizadores além dos insetos, embora lhes seja normalmente atribuído um papel menos relevante. Entre eles estão répteis, alguns mamíferos (incluindo morcegos) e aves.
A descoberta de que as aves são polinizadoras no território europeu é relativamente recente – confirmada já do século XXI. Tradicionalmente, pensava-se que devido à ausência de aves nectarívoras na Europa (aves que se alimentam principalmente de néctar floral), esta interação aves-flor não existia neste continente. Estaria limitada a outros, onde estas espécies de aves existem, assim como a ecossistemas insulares onde escasseiam polinizadores especializados (em ilhas, como as Galápagos, por exemplo).
Contudo, novos estudos científicos observaram a existência de interações mutualistas aves-flor na Europa e confirmaram o seu contributo para a polinização.
O estudo “Flower visitation by European birds offers the first evidence of interaction release in continente” realizado por investigadores portugueses, durante um ano, na região de Coimbra, contribuiu para esta evidência: analisou 634 aves de 31 espécies e verificou que 129 de 21 espécies transportavam consigo grãos de pólen.
Foram identificados 45 tipos de pólen diferentes, de inúmeras espécies nativas, como medronheiros (Arbutus unedo), pinheiros (Pinus spp.) e salgueiros (Salix spp.), e de algumas exóticas, como cedros (Cedrus spp.), ciprestes (Cupressus spp.) e, em maior grau, eucaliptos (Eucalyptus globulus). A maioria das interações foi detetada no Inverno, quando o néctar e o pólen se tornam recursos alimentares alternativos mais importantes, e o artigo identifica que entre os principais “transportadores” de pólen estão espécies como a toutinegra-de-barrete (Sylvia atricapilla), a felosa-comum (Phylloscopus collybita) e o chapim-rabilongo (Aegithalos caudatus).
Além de esta ser uma informação relevante para quem traça as estratégias de proteção dos polinizadores, é interessante observar que várias destas aves contribuem para a reprodução das plantas também por outra via: a dispersão de sementes.
O vento e a água como agentes polinizadores
Além de ter os seres vivos como intermediários (polinização biótica, providenciada por polinizadores biológicos), a transferência de pólen também se faz à boleia do vento e da água (polinização abiótica, proporcionada por elementos ambientais).
À polinização promovida pelo vento dá-se o nome de polinização anemófila e, embora ela possa ser menos certeira e eficaz (o pólen acaba por cair ao acaso e só uma ínfima parte chega ao estigma das flores), é importante para muitas espécies de plantas e essencial em ecossistemas que se encontram nas fases iniciais de sucessão ecológica: em que as plantas são poucas e pequenas, em que existem vastas áreas abertas (sem barreiras ao vento) e há ainda escassez de polinizadores biológicos.
Quanto às espécies de plantas que dependem do vento para a polinização, cerca de 12% são plantas com flor, na maioria pequenas herbáceas, sem pétalas, nem cores, perfumes ou néctares atrativos. Vários cereais integram este grupo.
Adicionalmente, também várias espécies de árvores das florestas temperadas e boreais beneficiam desta ajuda do vento, que atua principalmente em elevação – no topo das copas. Isto acontece em muitas espécies coníferas, como os pinheiros e abetos (Abies spp.), mas também espécies folhosas, como os choupos e as bétulas. Nestas espécies, as anteras geram normalmente um grande número de grãos de pólen, muito pequenos (que são fontes de alergénios, ao contrário das plantas polinizadas pelos animais, que raramente causam alergias) e os seus estigmas são grandes e plumosos para capturar os grãos de pólen.
No caso das árvores, há até uma característica das flores masculinas que é comum a várias espécies e favorece esta disseminação: as suas estruturas florais são longas, pendentes – amentilhos, que lembram espigas – e leves o suficiente para balançar e largar o seu pólen ao ritmo do vento.
Um grupo de amentilhos de bétula, por exemplo, pode gerar 10 milhões de grãos de pólen, o que significa milhares de milhões de grãos numa só árvore. Este é um esforço de produção elevado, mas que reforça as hipóteses de que alguns cheguem ao destino esperado: as flores femininas.
A água é um agente polinizador menos relevante e a sua ação está reservada a um pequeno grupo de plantas que vivem em áreas alagadas – doces, salobras ou salgadas. Nestes casos, pode haver dois tipos de polinização:
Os grãos de pólen podem flutuar à superfície, levados pelo movimento da água, e alguns conseguem alcançar o estigma da flor. Este fenómeno, chamado de epihidrofilia, implica que a densidade dos grãos de pólen seja semelhante à da água, de modo a não se afundarem. Há ainda alguns casos em que as próprias flores masculinas submersas se libertam, flutuando para ir ao encontro das flores femininas. É isto que acontece, por exemplo, na Vellisneria spiralis, uma espécie de erva marinha a que chamam saca-rolhas, que em Portugal só existe nas areias e águas do litoral centro-oeste.
Os grãos pólen são libertados abaixo da superfície e deslocam-se exclusivamente debaixo de água. Neste caso, chamado de hipohidrofilia, os grãos de pólen são mais pesados do que a água e, à medida que se deslocam, vão afundando. Neste trajeto, alguns ficam presos no estigma da flor feminina. É isto sucede, por exemplo, com a erva-marinha (Zostera) – comum em Portugal, no mar e nas zonas estuarinas – que pode viver parcial ou completamente submersa.
A maioria das plantas de ambientes terrestres alagados possui flores que se mantêm à superfície e que beneficiam da ajuda de polinizadores mais eficientes, como os insetos voadores. Adicionalmente, os invertebrados aquáticos também podem contribuir para a polinização subaquática.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.