O Governo voltou a reafirmar o seu empenho no desenvolvimento do Intervenção para Floresta 2025-2050 (PIF), apresentado em março deste ano, e que irá à Assembleia da República no próximo dia 27 de agosto para um debate de urgência no âmbito da Comissão Permanente, centrado na grave situação dos incêndios que têm devastado o país. Face à dimensão da atual crise, torna-se imperativo sublinhar que a gestão integrada dos fogos rurais não pode ser apenas uma promessa inscrita em planos, mas uma prioridade política efetiva, transversal e sustentada, assumida pelo Governo e com compromisso alargado entre as diferentes forças políticas e a sociedade civil.
A ZERO reconhece o valor do PIF enquanto documento estruturante e abrangente, mas sublinha que continua a faltar a base financeira sólida ao nível plurianual para ser executado com a ambição que a floresta e o país exigem. É indispensável realizar uma avaliação rigorosa dos custos de investimento necessários e assegurar que os recursos disponíveis – públicos e também privados – são compatíveis com os objetivos anunciados. Neste momento, o financiamento previsto parece estar claramente aquém das necessidades reais, correndo-se o risco de transformar uma boa intenção em mais um exercício incompleto, sem impacto concreto no terreno.
PIF ainda agora começou e aparenta já estar a derrapar – quase metade dos compromissos de 2025 em atraso
Num contexto em que se verificam aparentes atrasos na concretização das 62 medidas de curto prazo, é fundamental que o Governo esclareça, no debate de urgência agendado para 27 de agosto, qual é o verdadeiro ponto de situação do Plano de Intervenção da Floresta 2050 (PIF). Esse esclarecimento deve ser feito de forma clara e detalhada, explicando porque razão várias medidas parecem já estar em atraso, se mantém a intenção de as cumprir e qual a visão para o médio e longo prazo.
Um plano desta ambição, apresentado como estruturante para a transformação da paisagem e para a prevenção de catástrofes futuras, não pode iniciar-se sob o signo da lentidão e da opacidade. É essencial que o Governo apresente informações concretas sobre o grau de execução, as metas alcançadas, as verbas efetivamente mobilizadas e as medidas que permanecem apenas no papel.
Da leitura possível pela ZERO face à ausência de informação pública que comprove a sua execução até à data (agosto de 2025), das 62 ações de curto prazo presente no Plano, cerca de 29 iniciativas aparentam estar em atraso e, se tivermos em conta uma análise detalhada às mais de 90 metas individuais listadas no plano, pelo menos 42 aparentam estar atrasadas, representando cerca de 46% do total de compromissos para o ano corrente.
Entre estas encontram-se medidas importantes no âmbito da revisão do Regime Jurídico da Propriedade Rústica (7 medidas atrasadas), dos Apoios e Incentivos (4 medidas atrasadas), com o modelo fiscal específico para incentivar a gestão ativa da floresta a não ser ainda apresentado, bem como a proposta legislativa para o Mecenato Floresta, a concretização dos “Acordos de Fileira” e a criação do “alvará de prestador de serviços florestais”, Sapadores Florestais (2 medidas atrasadas), Avaliação de Instrumentos de Gestão (5 medidas atrasadas), o que inclui a avaliação da eficácia dos modelos EGF e UGF, o potencial de novos modelos de gestão, a adaptação das ZIF, a eficácia dos Condomínios de Aldeia e dos PRGP.
Programa de gestão integrada dos fogos rurais não deve ir para a gaveta
A experiência dos últimos anos mostra que tem sido prática recorrente dos sucessivos Governos não darem continuidade a programas e estratégias já aprovados, criando imprevisibilidade e incoerência nas políticas públicas de curto, médio e longo prazo. Criam-se planos atrás de planos, cada um supostamente melhor que o anterior, sendo que próprio PIF é mais recente um caso: quem o criou parece ter esquecido de que já existia o Plano Nacional de
Gestão Integrada de Fogos Rurais 20-30 (PNGIFR) onde estão presentes muitas das medidas que vieram a constar do novo Plano. Esta instabilidade obviamente que mina qualquer esforço sério de transformação estrutural da paisagem e de prevenção dos incêndios.
Neste sentido, e independentemente dos méritos do PIF, a ZERO exige que o atual Governo não só se comprometa inequivocamente com a implementação do
Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais 20-30 (PNGIFR), já aprovado, como também vá ainda mais longe, reformulando a própria estrutura de governação para que a AGIF volte a ser tutelada diretamente pelo Primeiro-Ministro. Tal decisão constituiria um sinal político claro de que a gestão integrada dos fogos rurais é, de facto, uma prioridade nacional.
Propriedade rústica: da fragmentação ao ordenamento colaborativo
A tragédia recorrente dos incêndios tem raízes profundas no abandono e na fragmentação do território rural, onde a dispersão da propriedade e a ausência de gestão estruturada criam um cenário de risco permanente. A ZERO defende que o Governo deve ir mais longe na reforma da propriedade rústica, apostando numa verdadeira transformação do modelo de gestão do espaço rural.
Propomos uma reforma estrutural que assegure a integração da propriedade rústica em Unidades de Gestão da Paisagem (UGP), administradas de forma profissional e transparente. Este modelo permitiria transformar o património de cada proprietário, hoje encarado como um encargo, num ativo financeiro com
valor real, sustentado na rentabilização económica e sustentável da paisagem no seu conjunto, alicerçada no pagamento dos serviços de de ecossistemas.
Deste modo, garante-se não apenas a gestão integrada, mas também a valorização dos territórios, criando um mosaico produtivo, biodiverso, multifuncional, resiliente e seguro para as populações.
A experiência das Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP) pode e deve ser aprofundada e atualizada, avançando para uma versão mais robusta das mesmas que reforce a lógica de gestão colaborativa e participada do território. Este novo modelo deve integrar uma abordagem mais eficaz, que vá além da adesão voluntária e assegure que a gestão e ordenamento do espaço rural deixam de ser exceção e passam a ser a regra. Só assim será possível quebrar o ciclo de abandono e dar resposta estrutural ao problema dos incêndios rurais em Portugal.
Fonte: Zero