Episódios de fogos dramáticos – insisto que desta vez foram só dois ou três dias de condições desfavoráveis e os ventos não estavam muito fortes – geram muita confusão depois, como demonstra Tiago Oliveira na sua tese, num gráfico muito interessante que liga a quantidade de produção legislativa e a ocorrência de anos maus de incêndios.
Com o PS, de maneira geral dominam grandes proclamações de reforma da floresta que acabam por traduzir-se em reforço do combate, proibições várias, medidas estruturais, no papel, e projectos delirantes assentes no dinheiro dos contribuintes, no que diz respeito à gestão da paisagem (até se produzem coisas interessantes, como este relatório em que se empenhou fortemente o meu amigo Pedro Bingre do Amaral. Quem conheça as nossas relações pessoais um bocado agitadas pode pensar que aquele “amigo” é irónico, mas não é, temos fortíssimas divergências, mas o Pedro é, de entre as pessoas que acho que têm uma perspectiva errada do problema, das que produzem informação mais interessante).
Com o PSD vem a conversa autárquica e bombeiral dos incendiários, das ajudas, dos apoios, da necessidade de dar poder aos autarcas para fazer o que está certo (que já têm, mas como custa dinheiro, o que na verdade estão a dizer é que querem que o Estado central lhes entregue dinheiro para se substituírem aos proprietários, em vez de o Estado central pagar directamente aos proprietários o que pretende que seja feito), queiram ou não os proprietários, a conversa dos fundos, de apoiar quem está no terreno, da criação de emprego no interior, e etc.
Independentemente de algumas diferenças há grandes coincidências que se mantêm, em especial a desvalorização do conhecimento científico produzido (a forma como tanto responsável político tem estado a ignorar o trabalho de Cristina Soeiro sobre o perfil do incendiário é extraordinária, mas mais extraordinária é a forma como a generalidade dos jornalistas enfiam a treta pela goela abaixo sem pestanejar e confrontar os responsáveis políticos com a informação objectiva produzida) e o endeusamento do conhecimento de inspiração divina, que de estudo não é, que autarcas e responsáveis de bombeiros têm sobre como gerir o fogo, compreendendo o seu comportamento e a sua ecologia.
Por tudo isto, um dos assuntos que recorrentemente aparece na discussão são as centrais de biomassa (por exemplo, veja-se a última missa dominical do grande especialista de economia rural e fogos, Marques Mendes).
Face à evidência avassaladora de que temos um problema sério de ausência de gestão, ou sub-gestão, dos materiais finos que alimentam o fogo, há duas grandes linhas de pensamento, e uma pequena, pequeníssima comunidade que vai defendendo o pagamento público de um serviço público, directamente aos que o prestam.
As duas linhas de pensamento dominantes, reconhecendo que estamos perante um problema de ausência de criação de valor associada à gestão de matos, querem criar valor para essa actividade, mas sem pôr os contribuintes a pagar essa gestão.
Uns acham que as terras marginais são rentáveis, é só o seu contexto administrativo e de propriedade que impede os amanhãs que cantam, portanto empenham-se em discussões intermináveis sobre fiscalidade e direito sucessório com o objectivo de criar um proprietário novo, o proprietário que ganha dinheiro a gerir mato, uma vez liberto dos constrangimentos que o tolhem.
Outros acham que é preciso valorizar a biomassa, portanto, encontrar-lhes um destino economicamente radioso, os mais sofisticados torram dinheiro num laboratório ali para os lados de Coimbra, para conseguir produzir combustíveis a partir do mato, os mais básicos pedem centrais de biomassa.
Judiciosamente, Paulo Fernandes costuma lembrar que o fogo florestal e a central de biomassa têm dietas diferentes, o que o incêndio quer é combustível fácil e rapidamente inflamável para que a chama seja transmitida a partir de quantidades de energia libertadas relativamente baixas, a central de biomassa quer material denso, com elevado potencial energético, para maximizar a produção de energia aumentando o tempo de residência da chama.
Ou seja, a optimização económica de uma central implica ter materiais grossos o mais perto possível da central, a optimização do incêndio florestal acontece quando existem materiais finos onde Judas perdeu as botas.
Sobre isto, convém ter em atenção que os tais materiais finos que alimentam o fogo florestal, e dificilmente alimentam uma central de biomassa (nos seus tempos áureos, a central de biomassa de Mortágua tinha uns 2% de matos no mix de combustíveis que a alimentavam), são sobretudo ar e água e têm baixo potencial energético, o que significa que os custos de transporte disparam para uma criação de valor em energia muito baixo.
Cortar mato é caro, transportar mato para o transformar em energia é ainda mais caro, razão pela qual as centrais de biomassa que podem ser competitivas não se alimentam de combustíveis finos trazidos do fim do mundo, mas estão associadas à valorização de resíduos de actividades que concentram biomassa a partir de outra actividade que tira partido do produto principal (por exemplo, serrações, fábricas de processamento de madeira, seja para que fim industrial for, etc.).
As únicas centrais de biomassa que podem ter interesse para ganharmos controlo sobre o fogo são centrais que se deslocam ao sítio onde estão esses materiais finos e os consomem sem necessidade de operações caras de corte.
Felizmente existem, têm quatro patas e chamam-se cabras.
Paguemos esse serviço a quem as pastoreia e conseguimos muito mais resultados, de forma muito mais barata.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.