[Fonte: Milk Point Portugal] A Lactogal é uma empresa de lacticínios que pertence a duas uniões de cooperativas e uma cooperativa. Herdou das suas 3 fundadoras e atuais acionistas a parte industrial e comercial, ficando as cooperativas com a recolha e apoio técnico à produção. Recebendo e transformando 70% do leite no continente e 55% do total nacional, é de tal forma preponderante que é impossível ter qualquer debate sobre os problemas do setor leiteiro onde não surjam acusações sobre a responsabilidade da Lactogal no estado de crise permanente em que vivem os produtores de leite.
Como qualquer empresa ou organização, a Lactogal tem defeitos e virtudes, pontos fortes e pontos fracos de cujo balanço depende a relação com os produtores / fornecedores e com os seus clientes, sobretudo as grandes superfícies comerciais. Na minha intervenção pública, sempre procurei defender os produtores sem atacar publicamente a Lactogal. Guardei as críticas e sugestões para as assembleias de cooperativas ou União de cooperativas onde tive oportunidade de falar. Quem lá esteve poderá confirmar. Continuo a pensar que devemos discutir decisões e lideranças sem pôr em causa a solidez das organizações, a qualidade dos produtos e a confiança dos consumidores. E também penso que nas famílias e nas organizações, devemos resolver os problemas internamente, sem gritarias em público.
Contudo, quando o tempo passa sem que os problemas se resolvam, é impossível evitar que a revolta exploda e a discussão venha para a rua. Apesar de ser uma empresa sólida que embala e transforma leite de qualidade em produtos de qualidade, a Lactogal tem também defeitos e três pecados originais que é necessário expor, discutir, enfrentar e resolver rapidamente.
O primeiro foi a aposta central na venda do leite UHT em vez de leite do dia (pasteurizado) e produtos lácteos de maior valor acrescentado. Como muito bem resumiu Pedro Ivo Carvalho, subdiretor do Jornal de Notícias, em artigo de opinião na passada semana, “Produzimos leite a mais, mas bebemos cada vez menos. Produzimos queijo e iogurtes a menos, mas consumimos cada vez mais. Destruímos o valor acrescentado do que é português e ficamos dependentes do exterior”. E o que fez a Lactogal enquanto lutámos na rua para impedir a importação massiva de leite e produtos lácteos por parte da distribuição e os produtores eram confrontados com forte limites impostos pelos contratos? A Lactogal importou também produtos lácteos desejados pelo consumidor mas que não era capaz de produzir. A quantidade não é significativa, mas fica mal à empresa e deixa-nos ficar mal. A minha última ação como presidente da Aprolep em Janeiro de 2017 foi interpelar diretamente presidente da Lactogal no sentido de “adotar uma estratégia para substituir progressivamente a importação de produtos lácteos para as marcas da Lactogal por produtos transformados em Portugal a partir de leite português.” Continuo à espera de resposta e mudanças.
O segundo pecado é uma gestão orientada para lucros e dividendos para as acionistas em vez de maximizar o preço ao produtor. Não foi por acaso que em 2017 a Lactogal teve quase 44 milhões de resultados antes de impostos (10 milhões de euros) e os produtores portugueses tiveram os piores preços entre os 28 países da Europa. Apesar de, a bem da verdade, termos de referir que as cooperativas associadas da Lactogal pagam normalmente um preço acima da média nacional, o “preço Lactogal” é preponderante na média e serve como referência para os restantes compradores. Esses 44 milhões dariam para um suplemento de 4 cêntimos por litro de leite ao produtor e ainda sobravam uns trocos relevantes. Curiosamente, o preço médio nacional esteve muitas vezes entre 3 a 4 cêntimos por litro abaixo da média comunitária.
O terceiro pecado são os ordenados milionários dos administradores nomeados pelas cooperativas acionistas. Desde o início que se falava em surdina, que se dizia que eram bem pagos “porque assim não chateiam”, mas não se conheciam números concretos. O assunto foi capa do Correio da Manhã em 28 de Março de 2009 – “Negócio do leite dá salários milionários”. A notícia referia que “9 gestores ganham entre 410 e 910 mil euros por ano”, sendo que o Presidente, Casimiro de Almeida, ganhava 850 mil o que correspondia a 60.000 euros por mês e os restantes ganhariam cerca de metade. Que me recorde, a notícia nunca foi desmentida pela Lactogal nem foi anunciada qualquer redução. Na semana seguinte houve manifestação espontânea de centenas de produtores à porta da Agros, uma das cooperativas associadas. Passados alguns anos foi eleita nova direção na Agros e mais tarde os seus representantes renunciaram aos vencimentos da Lactogal. Na Proleite e Lacticoop parece manter-se tudo como dantes. Até quando? Temos de reconhecer que estes cargos devem ser compensados com remunerações justas face ao tempo e responsabilidades exigidas, mas ganhar várias vezes o salário do Presidente da República para, em alguns casos, participar em duas ou três reuniões por mês é um exagero, um escândalo que revolta os produtores e urge resolver, tal como os restantes pecados precisam de ser expiados.
Estes três e outros pecados são velhos e conhecidos no setor leiteiro. Não se pense que é fácil corrigir e ultrapassar, mas é necessário, sob pena do setor explodir ou continuar a desaparecer aos poucos como aconteceu nos últimos anos. O importante é não cair noutro pecado típico da Lactogal que é fugir à responsabilidade, deitar as culpas para as cooperativas, colocar produtores contra produtores, regiões contra regiões e passar a mensagem que a culpa é da cooperativa associada que fica mais longe. Somos cada vez menos produtores. Temos de ser capazes de nos unirmos para definir um novo rumo com mais valorização do leite em produtos lácteos, menos lucros da estrutura, menos ordenados no topo e um preço mais justo ao produtor.