O uso efetivo de uma marca é tão importante quanto o seu registo, a sua vigilância e o pagamento das suas renovações.
No Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em Portugal e no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO – European Union Intellectual Property Office), na União Europeia, onde muitas empresas nacionais registam as suas marcas, a apresentação de provas de uso só é exigida em situações concretas como em processos de caducidade, oposição ou nulidade.
As marcas registadas devem ser objeto de uso sério e efetivo durante a sua vigência, sob pena de poder ser declarada a sua caducidade caso não sejam utilizadas por um período ininterrupto que, na maioria das jurisdições, varia entre três e cinco anos.
Nos Estados Unidos, o uso efetivo das marcas constitui um requisito obrigatório, ao contrário do que sucede em Portugal e na União Europeia, onde apenas é exigido em situações específicas (como processos de oposição, nulidade ou caducidade). Com efeito, nos EUA a apresentação de provas de uso pode ser obrigatória, quer no momento do pedido de registo, quer nos prazos de manutenção, isto é, entre o 5.º e o 6.º ano, e subsequentemente em cada renovação decenal.
Este enquadramento jurídico demonstra que ‘usar uma marca’, seja em embalagens, faturas, rótulos, publicidade ou plataformas digitais, não constitui apenas uma prática comercial, mas também um requisito legal essencial para garantir a sua proteção e assegurar a sua longevidade.
Uso Obrigatório e Prova de Uso das Marcas
Durante o período de vigência de uma marca, os respetivos titulares devem:
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Vigiar a marca, para evitar que sejam concedidas marcas iguais ou semelhantes;
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Pagar as devidas renovações;
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Fazer um uso sério da marca registada.
As marcas registadas em Portugal e na União Europeia, após serem concedidas, têm que ser obrigatoriamente usadas, sob pena de declaração de caducidade das mesmas, através de um eventual pedido requerido por terceiros junto do INPI ou do EUIPO.
A obrigatoriedade do uso das marcas encontra-se prevista:
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Em Portugal, no artigo 268.º do Código da Propriedade Industrial (CPI), que estabelece que a marca caduca quando, sem justo motivo, não tiver sido objeto de uso sério durante cinco anos consecutivos;
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Na União Europeia, no artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento (UE) 2017/1001, relativo à marca da União Europeia, que prevê igualmente a caducidade em caso de falta de uso sério por cinco anos consecutivos.
O objetivo destas normas é:
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Evitar a congestão dos registos de marcas garantindo que apenas marcas efetivamente usadas permanecem em vigor;
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Impedir o uso especulativo ou abusivo do sistema por exemplo, depósitos destinados apenas a bloquear concorrentes ou à revenda;
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Proteger a lealdade da concorrência e o interesse público assegurando que o registo não é apenas um título “ocioso”, mas uma ferramenta de identificação de origem efetiva;
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Abrir espaço para novos registos permitindo que sinais não usados possam voltar a estar disponíveis para quem os queira usar de forma legítima.
O aumento do número de marcas registadas contribui para a dificuldade da concessão de novos registos. Deste modo, os pedidos de declaração de caducidade podem ser a solução para o registo de uma nova marca.
Como forma de salvaguardar que as marcas registadas não caduquem por falta de uso sério, é indispensável que os respetivos titulares tenham provas de uso, como é o caso, entre outras, de:
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faturas;
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rótulos;
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etiquetas;
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materiais publicitários.
A falta de uso sério de uma marca pode também comprometer uma oposição a um pedido de registo de marca idêntica ou semelhante, uma vez que, em algumas jurisdições, como em Portugal e na União Europeia, a parte contrária pode requerer a apresentação de provas do uso efetivo da marca registada nos últimos cinco anos.
Marcas não usadas: risco de caducidade parcial ou total
Muitos titulares de marcas registadas, nomeadamente no setor vitivinícola, mantêm direitos sobre sinais que não são utilizados há mais de cinco anos. Importa salientar que, ainda que as renovações sejam pagas regularmente de 10 em 10 anos, tal não impede que essas marcas possam ser alvo de um pedido de caducidade por falta de uso sério e efetivo.
A caducidade pode ser total (quando não exista uso para nenhum dos produtos ou serviços abrangidos pelo registo) ou parcial (quando o uso apenas se verifica para alguns dos produtos ou serviços).
Por exemplo, uma marca registada para vinhos (classe 33) e azeites (classe 29) poderá ser declarada caduca relativamente aos azeites, caso o titular apenas a utilize para vinhos. Nestes casos, a proteção subsiste apenas para os produtos ou serviços para os quais exista prova de uso efetivo.
Assim, a gestão estratégica de um portefólio de marcas exige não apenas a renovação periódica, mas também o uso consistente e documentado dos sinais registados, sob pena de perda total ou parcial dos direitos adquiridos.
Vinhos, DOP, IGP e risco de caducidade
Além disso, no caso das marcas registadas para vinho, quando o registo faz menção a uma Denominação de Origem Protegida (DOP) ou a uma Indicação Geográfica Protegida (IGP), como por exemplo:
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Bebidas espirituosas de acordo com a sub-região ‘Cartaxo’ da DOP do Tejo;
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Vinhos que cumprem com o caderno de especificações da IGP Lisboa.
As marcas têm que ser usadas efetivamente para vinhos ou bebidas espirituosas dessas regiões ou sub-regiões.
Se o produtor registar a marca fictícia “Quinta Antiga de Lisboa” na classe 33, com a especificação “Vinhos que cumprem com o caderno de especificações da Indicação Geográfica Protegida (IGP) Lisboa”, mas, na prática, a utilizar apenas em vinhos produzidos no Alentejo, nunca em vinhos IGP Lisboa: Não há caducidade por falta de uso sério, pois existem provas de uso da marca (em vinhos do Alentejo).
Mas esse uso não corresponde à especificação registada (IGP Lisboa), pelo que a marca pode ser alvo de caducidade parcial por indução em erro, nos termos do art. 268.º, n.º 2, al. b) CPI e do art. 58.º, n.º 1, al. c) RMUE, uma vez que induz o consumidor em erro quanto à proveniência geográfica do vinho. Assim, mesmo que a marca seja renovada e continue a ser usada para vinhos do Alentejo, o titular corre o risco de perder a proteção legal relativamente a “vinhos IGP Lisboa”.
EUA
Nos Estados Unidos, o uso sério das marcas é ainda mais relevante do que na União Europeia e em Portugal. A apresentação de provas de uso pode ser obrigatória:
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no momento do pedido;
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no prazo de manutenção entre o 5.º e o 6.º ano;
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depois de 10 em 10 anos.
Caso a declaração de uso não seja apresentada, a marca caducará.
Para proceder à apresentação da declaração de uso, são necessários:
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data do primeiro uso em qualquer parte do mundo;
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data do primeiro uso nos Estados Unidos;
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provas de uso no comércio interestadual (fotos de mercadorias vendidas, faturas, cartões de visita, etc.).
Diferenças entre Portugal, União Europeia e EUA
Jurisdição |
Provas de uso obrigatórias |
Momento de exigência |
Risco de caducidade |
Portugal (INPI) |
Não (salvo exceções) |
Apenas quando terceiros apresentam pedidos de caducidades das marcas, por falta do respetivo uso sério |
Após 5 anos sem uso sério |
União Europeia (EUIPO) |
Não (salvo exceções) |
Apenas quando terceiros apresentam pedidos de caducidades das marcas, por falta do respetivo uso sério |
Após 5 anos sem uso sério |
EUA (USPTO) |
Sim |
No pedido, entre o 5.º e 6.º ano, e depois de 10 em 10 anos |
Caducidade imediata sem necessidade interposição de uma ação |
Recomendações práticas
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Registar apenas as marcas que se pretendem efetivamente usar;
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Registar de forma ambiciosa, incluindo produtos e serviços com perspetiva de uso futuro, mas sempre conscientes da obrigação de uso sério;
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Guardar provas de uso sério da marca registada desde o início da sua vigência;
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Para vinhos: respeitar a DOP ou IGP indicada no registo.
No setor agroalimentar, o registo de uma marca não basta por si só: é indispensável vigiar, renovar e, sobretudo, usar de forma séria a marca registada. A falta de uso pode levar à caducidade, parcial ou total, mesmo que as renovações sejam pagas regularmente.
No caso dos vinhos e bebidas espirituosas, quando o registo faz referência a uma DOP ou IGP, o uso deve estar estritamente ligado à região ou sub-região indicada.
Assim, cada titular deve adotar uma estratégia de proteção realista e sustentável: traduzida no registo das marcas que pretende efetivamente usar, no planeamento da sua utilização futura de forma ambiciosa, mas sempre assegurando provas de uso sério durante toda a vigência. Só desta forma se garante a verdadeira proteção legal das marcas registadas, e se evita a perda de ativos valiosos por falta do respetivo uso sério.
Fontes e Referências
Código da Propriedade Industrial (CPI – Portugal)
https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/110-2018-117896677
Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI – Portugal)
https://inpi.justica.gov.pt
EUIPO – European Union Intellectual Property Office
https://euipo.europa.eu
USPTO – United States Patent and Trademark Office
https://www.uspto.gov/trademarks
lcaixinhas@inventa.com
Engenheiro de Patentes na Inventa, Agente Oficial da Propriedade Industrial e Mandatário Europeu de Marcas e Desenhos ou Modelos, Árbitro no Arbitrare