O queijo “DOP – Denominação de Origem Protegida – Serra da Estrela” é um queijo “especial”, de bom, produzido a partir de leite de Ovelha da raça (autóctone) Bordaleira e também de “Churra Mondegueira”. A produção normal já deve ser superior a 200 toneladas por ano e a aumentar com a abertura de algumas produções industriais.
Ora, raça das ovelhas, leite e queijo tradicional foram apurados – durante séculos – por sucessivas gerações de pastores/produtores, através de “saberes (e sabores) de experiência feitos”. Portanto, o actual “Queijo de Ovelha Curado” e até o “Queijo Serra da Estrela” são um património – muito legítimo – construído com imenso trabalho e muita sabedoria por essas sucessivas gerações de pastores/produtores. Pois de há alguns anos a esta parte, esse património ancestral muito valioso tende cada vez mais para ser espoliado aos seus legítimos donos por parte de unidades de (grande) produção industrial diária, inclusive do Queijo DOP, o Serra da Estrela. Este tipo de produção industrializada (ainda) não possui rebanhos pelo que compra o leite a produtores com Ovelha Bordaleira. E logo aqui nasce um problema básico. Essas unidades industriais de grande e intensiva produção de Queijo de Ovelha (DOP ou não), por razões económicas e financeiras, precisam de processar leite durante 11, mesmo 12 meses por ano, sendo que, por exemplo, os rebanhos de Bordaleiras não produzem leite – com alto teor gorduroso e sem recurso a aditivos alimentares (tipo rações) para os animais – durante mais do que 7 ou 8 meses por ano. Portanto, essas indústrias acabam por também comprar o leite de ovelha fora da Região Demarcada. Mas onde e em que condições de produção que as “nossas” pastagens regionais e o “maneio” dos rebanhos, por norma, também são característicos ? A esta pergunta, em primeiro lugar devem responder a ASAE e as Brigadas de Inspecção Económica… Enfim, leite para queijo de ovelha curado, esse sabemos proveniente bastas vezes – mesmo em viaturas-cisterna – desde a vizinha Espanha. E como é “conseguido” tanto leite de Ovelha (e Cabra) em Espanha, país grande produtor de queijos? Pois ao que julgamos saber, “desdobrando” lá leite em pó em leite líquido. Leite em pó (ovinos) vindo por exemplo de França…
Ultimamente, foi recuperado o Efectivo de Ovelhas Bordaleiras. Ainda bem !
É a indicação oficial que aparece cujo teor é de salientar tanto mais que, assim, foi ultrapassado o desastre causado aos efectivos da nossa Região pelo fogo grande de 2017. Ainda bem. Mas nós também sabemos que, em contrapartida, tem vindo a ser reduzido o número de pastores, logo de produção tradicional e mais “democratizada” – mais espalhada pelo território – de leite de Bordaleira, o que não nos deixa tranquilos quanto ao futuro que é já hoje. Muitos pastores optaram por vender o Leite (hoje desde 1,20 a 1,35 euros o litro, neste último caso de Bordaleira) para pequenas, médias e até grandes indústrias do sector dos lacticínios, que produzem Queijo da Serra, por enquanto situadas na Região de produção do leite. Os preços ao consumidor regional variam mas pode dizer-se que, em média, os produtores industriais ou os intermediários vendem o Queijo a mais de 3 vezes o respectivo custo em leite Bordaleiro que processam à razão de cinco litros para fazer um quilo desse Queijo. Ou seja, a maior parte das mais-valias – mais de 70% do preço ao consumidor – incorporadas na cadeia de valor da fileira desse Queijo, vai para o bolso dos donos das indústrias da respectiva produção queijeira e para os grandes intermediários. Os pastores (proprietários dos rebanhos) acabam por ficar com menos de 30% da mesma cadeia de valor onde, aliás, se exige muito trabalho. É uma luta dura e diária !
A face do “Paradoxo do Queijo” são as Feiras do “Queijo Serra da Estrela, DOP” na Região Demarcada.
Proliferam Feiras e Festas do “Queijo Serra da Estrela” quase sempre promovidas por Municípios da Região Demarcada. Aliás, terminou há pouco o ciclo anual dessas iniciativas. Porém, os pastores de tipo familiar/tradicional estão ameaçados de desaparecimento a curto/médio prazos…caso as coisas continuem como vão com os custos de produção muito altos enquanto que o preço do queijo ao consumidor (regional) se mantém entre os 15 e os 25 euros o quilo, dependendo em se é queijo de Ovelha ou se é queijo Serra da Estrela, DOP. Ao mesmo tempo, as ajudas da PAC, Política Agrícola Comum, ao rendimento dos pastores, tendo significado todavia, por si sós, não “seguram” os pastores dos quais muitos estão a passar de ovinos/leite (e queijo) para ovinos/carne (borregos).
Eis pois a síntese do “Paradoxo do Queijo da Serra”:
Há cada vez menos pastores/produtores e há cada vez mais quantidades de queijos de ovelha e cabra – há várias feiras e festas do Queijo Serra da Estrela na Região Demarcada mas onde cada vez mais por lá aparecem os queijos de ovinos de produção tipo industrial…a falar português…mas também, e digamos assim, a falar espanhol com sotaque afrancesado… E os promotores desses certames enchem a boca de queijo e falam para as televisões. E repetem e repetem a propaganda da defesa das tradições e “blá, blá, blá”. Conversa da treta !…
E nós só não afirmamos taxativamente que o nosso bom “Queijo de Ovelha” – DOP ou não – é o melhor queijo do Mundo porque ainda não os provamos a todos…
Salvemos os Pastores ! Salvemos o Queijo Serra da Estrela tal como o sabemos…comer !
Cidadão rural
Natural e residente numa aldeia com fortes tradições no pastoreio e na produção de bom Queijo de Ovelha – “Curado” e também “Serra da Estrela”
Afinal o rei vai nu neste “caos organizado” no reino da intensificação da Agricultura… – João Dinis