Ou as estórias oficiais e oficiosas em torno da intensificação dos processos produtivos na Agricultura e na Floresta. Na prática, trata-se de um exercício político e social estilo “organização do caos”…
Há certos palavrões muito utilizados na gíria, pretensamente modernaça, dos especialistas encartados do sistema dominante. Destaque para a “sustentabilidade”, a “resiliência” que assim se juntam à “competitividade”, de entre outros.
“Sustentabilidade” ambiental, social e económica – repetem eles como discos riscados… Mas, no terreno, enveredam pelas culturas permanentes super-intensivas, desde logo o Olival intensivo e super-intensivo. Enveredam pelas Estufas concentradas, pelos métodos de produção agro-alimentar que dispensam a terra a qual deixa, assim, de ser meio de produção e passa a ser apenas chão para suporte das infraestruturas necessárias. E até o Eucalipto em regadio passou a receber ajudas públicas assim como que “majoradas” no PDR 2020 face a outras espécies que têm ajudas menores.
Os mandantes do sistema e seus executivos de turno apregoam os ganhos financeiros e económicos assim obtidos. Porém, com que custos, precisamente ambientais, económicos e sociais ?
Atente-se na “invasão” do Olival super-intensivo pelas planuras do Sul. Emborca água, esgota solos, polui com as grandes cargas de químicos que utiliza e que até se espalham pelo ar fora. Dá ocupação a um reduzido número de mão-de-obra considerando as vastas áreas contínuas que ocupa. Arrasa o Olival tradicional que não tem hipótese de “competir” em preços. Há tempos, até liquidava a passarada que por lá poisava, à noite. Entretanto, com os preços do Azeite a cair – mesmo os preços do Azeite em modo de produção intensivo – quem pode afiançar que, daqui a poucos anos, não estejam vastas áreas de Olival intensivo em estado de abandono ? Então e depois ?…
Na Floresta, o Eucaliptal com milhares de hectares seguidos em regime de monocultura, com cortes (principalmente para estilha celulósica) a 10 anos e menos, aproveita mais “intensivamente” a quem? E a que preços, na Produção, para a “madeira” assim obtida ? Claro que a preços baixos que a grande indústria de transformação impõe até porque os donos desta são dos que “mandam nisto tudo” (também porque os deixam mandar…).
Mesmo tendo em vista a produção de Cortiça, os novos “ensaios” industriais privilegiam o objectivo da plantação de Sobreiro em regadio ou seja, em regime de produção intensiva. E assim se arrisca a passar à história a renovação do mais tradicional montado de sobro…
E ainda avança a “moda” da instalação de grandes baterias de “painéis solares fotovoltaicos” (produção de electricidade) em terras com aptidão agrícola e com aptidão florestal.
E assim se faz luz sobre episódios carregados de “sustentabilidade”…
Na distribuição dos fundos públicos da PAC, Política Agrícola Comum, há muito tempo que, ande lá por onde andar a conversa oficial, os resultados acabam sempre por dar mais e mais dinheiro público para os mesmos do costume, os maiores entre os grandes proprietários e o grande agro-negócio. E estes chegam mesmo a receber muitas dezenas de milhões de euros em Ajudas Públicas (da PAC) sem a obrigatoriedade de produzirem o que quer que seja.
Como se vê, trata-se de uma bela “resiliência” – resistir mas com muito dinheiro público…
O bem estar animal e os exageros que saem caros e eliminam a produção familiar.
Claro que os animais devem ser bem tratados o que implica reunir-lhes condições higio-sanitárias. Mas, “nem oito nem oitenta” como manda a sabedoria de experiência feita, à qual, aliás, se deve subordinar a “técnica”. Porém, essa sabedoria não está a ser respeitada.
Em consequência, ganha força uma tendência fundamentalista que tende para a humanização dos animais, com exigências atrás de exigências muitas vezes desadequadas face à realidade financeira e em infraestruturas de base dos Produtores Pecuários e dos pequenos e médios em especial. E assim se eliminam às dezenas como, aliás, agora volta a acontecer.
É exemplo clássico que os Produtores Pecuários de tipo familiar até punham, e põem, nomes (de índole carinhosa quase sempre) aos seus animais, a bois e a vacas em particular. Sabem bem que quanto melhor os tratarem mais rendimento deles obtêm…
Em contrapartida, e disso também somos testemunhas, há Produtores em modo de produção muito intensiva, estabulada, que têm condições tecnológicas “luxuosas”, por exemplo nas Vacarias. Sim, nós estivemos numa dessas Vacarias em que até música (clássica) lá soava para, dizia-se, retirar o “stress” às Vacas. Mas, essas mesmas Vacas de tal forma enchiam os úberes com o leite que tinham de se deitar de lado, traseira pousada no chão, para se aliviarem do excesso de peso do leite acumulado todos os dias, mesmo duas vezes por dia…
O Governo, “mais papista que o Papa” também nesta matéria, propagandeia o tal “Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, RNC 2050” a pretexto das “alterações climáticas” e da necessidade em reduzir as emissões de “GEE, Gases do Efeito Estufa” para a atmosfera. No contexto, “decreta” o “abate” muito significativo de efectivos pecuários e de bovinos em especial. Porém, enquanto pretende avançar com este “abate” de efectivos pecuários, o mesmo Governo autoriza a instalação de mega-explorações agropecuárias – uma delas terá 10 mil Vacas – pertença, sobretudo, de uma grande cadeia de Hipermercados. Afinal, quem vai ficar sem as Vacas para que estas mega-explorações possam funcionar em pleno “RNC 2050” ? Ou, todas estas Vacas assim concentradas não produzem flatulências e não emitem metano ?… Ou seja, mais “sustentabilidade”…
Dos maiores e piores exemplos da política de duas caras aplicada pela União Europeia.
E, já agora, que tanto fala em “bem estar animal”, então que pretende a União Europeia (UE) fazer face à morte lenta e em sofrimento que é aplicada aos desgraçados Gansos para a produção do tal “foi gras” ou “fígado gordo” (na França), um dos mais caros “alimentos” do mundo ? É que, enquanto for permitida uma tal forma de “mau estar” – tratamento violento – a esses Gansos, falta a moral para falar do resto…
Noutro plano, o “sistema” impõe severas regras na construção e manutenção das Queijarias, com “esquisitices” de toda a ordem, o que acarreta custos elevados e também elimina os pequenos e médios Produtores. Porém, dos mais caros queijos do mundo – aqueles queijos “azulados” – muito “gabados” pelos países onde são produzidos e também, diga-se, por quem os come, esses queijos muito caros e “famosos” são produzidos através de métodos tudo menos “gabáveis”, tudo menos “higio-sanitários”. Para alguns desses queijos, as ”queijarias” são cavernas, novas e velhas, em terra “nua”. Outros podem até causar alguma repulsa que há alguns tipos de queijo – muito, muito caros a começar pelo(s) que se produz(em) clandestinamente – queijos cuja característica maior é ficarem prenhes de insectos-larvas gordos e vivos?…
Sim, então como é, UE, com estes queijos todos que, para além do leite (de ovinos e caprinos e de vaca), são produzidos à base de fungos e insectos e, assim, até são “certificados”?…
Os “negreiros” do século XX e XXI e os interesses que os movem.
A produção superintensiva de bens agro-alimentares – pressionada pelos ritmos “competitivos” impostos pelo grande “agronegócio” – necessita de trabalhadores de forma também ela intensiva, nomeadamente em “picos” da produção. E recorre a empresas de autênticos “negreiros” da era moderna – indivíduos sem escrúpulos – para lhe fornecerem mão-de-obra, afinal como se de adubos se tratasse… E assim carregam e utilizam centenas de trabalhadores e trabalhadoras sem quaisquer direitos, com salários “roubados” e sem protecção. Chegam mesmo a ser escravizados.
Volta e meia, casos desses aparecem denunciados na comunicação social, como agora voltou a acontecer com as estufas no concelho de Odemira e com centenas de “escravos” nelas sobre-explorados. Note-se que isto acontece e volta a acontecer perante a quase complacência de sucessivos governos e governantes que permitem que o crime compense.
E este crime contra a Humanidade também acontece noutros países.
Pois embora em moldes mais “suavizados”, este tipo de sistema da sobre-exploração de trabalhadores agrícolas está implantado em variadas regiões. Também nelas, há “negreiros” (no caso de “carne branca”…) que, por aldeias e vilas rurais portuguesas, arregimentam trabalhadores portugueses, sazonais e clandestinos, a quem pagam uns 30 euros por dia, sem lhes fornecerem refeições, para passarem 10 e 12 horas, e até mais, fora de suas casas, seja no trabalho seja nas deslocações que têm que fazer para trabalhar. Claro que as grandes empresas do agro-negócio pagam bem mais aos “negreiros” por cada trabalhador agrícola assalariado que eles lhes forneçam, até porque não têm para com estes trabalhadores quaisquer obrigações.
E isto acontece 59 anos depois dos trabalhadores agrícolas assalariados do Alentejo e Ribatejo terem conquistado a jorna de trabalho das 8 horas/dia (1962) em Portugal, país que cedo iniciou (em 1761) o processo da abolição da escravatura, processo que veio a ser completado oficialmente em 1869.
Ora, aqui temos mais exemplos – lamentáveis e desumanos – da “sustentabilidade” e da “resiliência” e da “competitividade” deste sistema e da gente que mais dele se serve…
Por isso, a luta tem que continuar!
Membro da Direção da CNA, Confederação Nacional da Agricultura.