Queimar 600 mil hectares de matos, ou deixar de colocar dinheiro na fileira dos cereais, com exceção da silagem, podem parecer ideias estouvadas, mas são, tão só, necessidades imperiosas, para ontem, num país que teima em não ver o essencial e onde o verbo postergar só tem comparação com o estudo, estafados de tanto falar e de tão pouco fazer.
“Agricultura(s) a minha vida” é um manual de boas práticas, um programa de governo para o mundo rural, uma chapada na cara de tão óbvias que são as soluções e tão pouco empenhamento na sua feitoria. Luxo de país pobre, com 70% de território abandonado, é assim que nos chamam agora – territórios longínquos do mando.
Outro exemplo a proposta de “um orçamento mínimo de 1.000 M€/ano para financiar o fogo controlado em pelo menos 600.000 hectares”. Porque, como todos sabemos e muitos fingem não ver, o grande problema dos incêndios florestais é a carga de combustível, 30 toneladas por hectare, quando, acima das dez, se torna impossível o combate e é preciso gerir o fogo. Mas essa gestão, que não é feita, leva a que os poucos que resistem no mundo rural, 30% da população portuguesa, queimem por si. Construir um simples açude, para represar água em tempos de seca é um calvário.
Em bom rigor, o Estado não tem funcionários, manda fazer. E entre o mando e a execução, vão décadas. Basta atentar no cadastro florestal, que já deveria estar feito e não está porque dá jeito a alguns e desajeita a estrutura fundiária. O José Martino aponta um exemplo simples, “uma linha de financiamento bancário, através do Banco Europeu de Investimentos, para permitir a compra de prédios confinantes por proprietários com pelo menos cinco anos de registo, bem como o pagamento de tornas a co-herdeiros”.
Ou seja, o José Martino não se limita a apontar a pecha, arruma-lhe com a solução.
Reconheço, para quem está de turno ao governo são verdades difíceis de engolir. Mais dantesca é a inação. É isso que se trata “Agricultura(s), a minha vida! Reflexões críticas na imprensa”. Fazer mais, mas fazer com planeamento, em país que tanto precisa dele e que prescindiu de ministério. É de soberania que também fala este livro.
Dou-lhe mais uma sacholada. Portugal tem um défice alimentar que se traduz em 4 mil milhões de euros anuais, o que significa que importa mais alimentos do que exporta. Então, qual a razão de financiar os cereais de sequeiro, em detrimento de hortícolas ou frutos vermelhos? Lóbis? Cambistas? Interesse privado a sobrepor-se à utilidade pública? Não podemos compensar importações com exportações de elevado valor acrescentado?
É esta franqueza, alimentada por exemplos confrangedores da nossa pequenez de espírito, que lhe gabo. O José Martino fala claro, mesmo para quem não entende isto dos batocos, das serras e vales, dos socalcos e das lavouras. E põe-nos a pensar, coisa que é difícil de entender no Terreiro do Paço, ou no Campus XXI, num país que ainda vive nos dezanove.
Há, em cada tema abordado, uma visão de futuro, a obrigação de deixar um país melhor aos que nos vão suceder. Porque não podemos ter, como do lado de lá da Ibéria, uma agricultura sustentável e inovadora, apoiada no conhecimento e na criação de valor? Porque não contrata o Estado quadros que venham ajudar a tornar produtivas as terras abandonadas, solos férteis que aumentam pela descrença a cada ano que passa.
Posso ser suspeito. Conheço o Martino desde 2012, à época partilhámos conversa na Feira do Mirtilo, em Sever do Vouga. Mas sigo-lhe os passos há já 13 anos; desassombrado, é cálculo e operações, com objetivo definido.
Planeamento, se preferirmos e produção. É engenheiro o que lhe facilita o estruturar das ideias. Visionário, pensador e focado no objeto. O Mundo rural, as agriculturas, o planeamento, tudo quando sai da safra deste país. Que podia ter outra riqueza se estivesse empenhado no mundo rural, a nossa alma de português. E que o despreza.
Depois fomos encontrando caminhos de estrada, de seca, água, kiwis, pistachos, visionário. Sim o extremo da palavra, repetido porque as soluções e os diagnósticos estão há tanto tempo feitos que não se compreende que não se aja. Pior, quando os fundos comunitários acabarem, e já estão a findar, teremos défices crónicos porque não soubemos encher a tulha.
O José Martino é um agrónomo, lavrador e agricultor, professor também, mentor quando lhe sobra o tempo que eu aproveito, bússola que se quer virada ao objetivo.
E este não é um livro, é um manual de soluções que explica muito do nosso atavismo.
Querer e não poder, é triste. Querer e poder, mas não fazer, é crime. Moral, pelo menos.
Um livro pragmático, propostas concretas para o desenvolvimento sustentável do mundo rural. Para um país que tem tudo para se afirmar pela diferença altaneira e teima em ser rasteiro.
Leiam, e peçam aos vossos eleitos que o leiam também. E questionem. Questionem porque diabos Portugal não sai da cepa torta.
Fonte: Amadeu Araújo










































