Esta é a primeira de uma série de entrevistas integrada num trabalhado alargado desenvolvido pelo Jornal Económico sobre a sustentabilidade no sector dos vinhos do Porto e do Douro.
Gilberto Igrejas, presidente do IVDP – Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, considera a sustentabilidade uma aposta estratégica para o vale do Douro e para os seus produtores, porque “a Região Demarcada do Douro é um legado do passado que pretendemos deixar intacto para usufruto das gerações vindouras”.
Esta é a primeira de uma série de entrevistas integrada num trabalhado alargado desenvolvido pelo Jornal Económico sobre a sustentabilidade no sector dos vinhos do Porto e do Douro. Ao longo das próximas semanas, a seguir a esta entrevista em versão integral ao presidente do IVDP – Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, Gilberto Igrejas, será possível acompanhar no site do Jornal Económico outras entrevistas aos responsáveis de alguns dos maiores produtores da região e do País, como a Sogrape, Quinta da Aveleda, Quinta do Crasto, Sogevinus, Quinta da Gaivosa, Quinta do Portal ou The Fladgate Partnership, além de testemunhos sobre o que cerca de outros 20 produtores da região a estão a fazer ou a perspetivar no domínio da sustentabilidade.
Quais os últimos dados de produção de vinho (Douro e Porto) e de exportação do universo de vitivinicultores representados pelo IVDP e como têm evoluído esses indicadores nos últimos anos?
O Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, I.P. (IVDP) certifica, controla, defende e promove os vinhos produzidos na Região Demarcada do Douro (RDD), nomeadamente as Denominações de Origem Protegidas (DOP) Porto e Douro (esta inclui o vinho do Douro tranquilo, o espumante Douro e o Moscatel Douro) e a Indicação Geográfica Protegida (IGP) Duriense (inclui o vinho Duriense tranquilo e o espumante Duriense). A produção de vinho na RDD nos últimos três anos registou fortes variações, abrangendo inclusive os anos de menor produção (2018) e de maior produção (2019) da última década (2011 a 2020), na qual a produção média da região foi de cerca de 142 milhões de litros de vinho por ano.
De facto, 2019 foi um ano de inversão de tendência nas exportações de vinho do Porto, uma vez que, depois de oito anos consecutivos de diminuição da quantidade exportada, em 2019 verificou-se um aumento de 1,2 %, enquanto em valor o crescimento foi ainda mais acentuado (+2,8 %). Já em 2020, e apesar do impacto da pandemia, a quantidade exportada de Vinho do Porto diminuiu apenas 1,4 % em comparação com o ano de 2019, e a quantidade exportada de vinho do Douro até aumentou 5,4 % [Já depois de efetuada a entrevista, foram divulgados os dados de vendas do vinho do Porto referentes a 2021: 391 milhões de euros (+15%), dos quais 330 milhões de euros em exportações (+12%) e 61 milhões de euros no mercado nacional (+32%)].
Quais são as perspetivas?
Quanto à colheita (mosto) em 2021, projeta-se um aumento relativamente ao ano passado e prevê-se um ano de qualidade excelente. Para já, as uvas colhidas têm demonstrado ser de muito boa qualidade, originando mostos muito equilibrados. Se em 2020, a RDD evidenciou resiliência nas suas exportações, demonstrou em 2021 e agora, em 2022, capacidade para enfrentar novos desafios.
De que forma é que a atividade destes produtores foi/está a ser afetada pela pandemia?
Como todas as atividades económicas, a comercialização de vinhos do Douro e do Porto foi afetada pela pandemia. No segundo trimestre de 2020, face à entrada em vigor do primeiro estado de emergência, as empresas do sector vitivinícola, para além dos custos da implementação de planos de contingência, tiveram de enfrentar dificuldades de mão-de-obra para os trabalhos agrícolas e a diminuição nas vendas de vinho.
A pandemia afetou as vendas de vinhos da RDD, essencialmente na medida em que teve um forte impacto negativo no canal HORECA [Hotelaria, Restauração, Cafetaria] e no turismo, provocando a quebra sobretudo da comercialização de vinhos em Portugal, com maiores consequências para os vinhos mais dependentes do mercado nacional, como o Moscatel e o Duriense.
Também ao nível da certificação, após dois meses (abril e maio de 2020) em que se registou uma diminuição no número de pedidos de certificação, a partir do final no primeiro semestre desse ano, assistiu-se a uma reação por parte do sector, até números muito satisfatórios em 2021.
A reação positiva das vendas on-line, e o acréscimo do consumo de vinho em casa durante o primeiro estado de emergência em Portugal, não compensaram a quebra das vendas de vinho no mercado nacional, resultante do encerramento do canal HORECA nesse período e da ausência praticamente total de turismo (esta com maior impacto negativo na comercialização de vinho do Porto).
Durante o verão registou-se uma melhoria a esse nível, mas a evolução da pandemia no último trimestre do ano, implicando novas restrições para o canal HORECA, e com uma natural quebra no turismo, não permitiram uma recuperação mais acentuada para as vendas de vinhos da Região Demarcada do Douro (RDD) em Portugal.
Assim, no terceiro trimestre, face à quebra nas vendas e ao aproximar da vindima com custos acrescidos, foi essencial tomar medidas que permitissem aos diversos agentes económicos deste sector planear a vindima e gerir adequadamente os seus stocks, criando condições para não haver lugar a uma quebra significativa do preço das uvas. Daí o Governo Português ter implementado medidas excecionais de apoio ao sector dos vinhos, tendentes a minimizar quebras e assegurar o rendimento dos viticultores, designadamente: apoio à destilação de vinhos com Denominação de Origem ou Indicação Geográfica, apoio ao armazenamento de vinho, dotação para a criação da Reserva Qualitativa do Vinho do Porto (específica para a RDD) e reforço do Regime de Apoio à Reestruturação e Reconversão da Vinha (VITIS).
Qual a relevância da adoção de medidas de sustentabilidade ambiental na região vitivinícola do Douro?
A RDD é um legado do passado que pretendemos deixar intacto para usufruto das gerações vindouras. Daí estarmos atentos e sermos intervenientes na adoção de medidas de sustentabilidade, em consonância com a missão de certificação das denominações de Origem Porto e Douro.
No passado mês de julho, houve lugar à assinatura da Declaração pela Sustentabilidade da Região Demarcada do Douro, um compromisso político que constitui um marco indelével na história desta região vitivinícola secular. Num texto comum, revelador da importância de que se reveste a sustentabilidade no progresso social, económico e ambiental desta região, os signatários acordam estar empenhados, no âmbito das suas diferentes esferas de atuação, em empreender uma abordagem estratégica e a desenvolver políticas que criem condições para uma implementação efetiva da sustentabilidade social e económica na RDD, no Entreposto de Vila Nova de Gaia e, genericamente, em todo o vale do rio Douro, onde os vinhos nascem, circulam e criam valor, revitalizando o território, gerando empregos e melhorando as condições gerais de vida em cada município, muito em especial, valorizando as áreas dedicadas à produção de vinho.
O Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, I.P. tem ainda inscritas no seu plano de atividades várias ações que consubstanciam esta aspiração. Está em curso o projeto IVDP+ em que o cerne é a implementação dos princípios da sustentabilidade na RDD. Igualmente, organizámos a Hackathom Douro & Porto 2021, justamente centrada na sustentabilidade, no âmbito da qual se fez a recolha de insights para identificação de linhas de trabalho mais relevantes na RDD, dentro do contexto da hackathon e sob o domínio da temática da sustentabilidade, a partir dos quais serão selecionados desafios a serem tratados por um grupo de investigadores ligados a centros de investigação, do qual resultará uma mostra pública e um relatório que sintetizará as atividades, insights, e resultados gerados, assim como uma conferência de apresentação dos desafios do hackathon aos stakeholders, o que evidencia o interesse do IVDP em que estas iniciativas sejam transversais a toda a região e permitam que todos os seus agentes estejam alinhados num mesmo objetivo.
Na componente ambiental da sustentabilidade, a implementação de medidas na RDD, permitirá a preservação da fauna e da flora autóctone, incluindo a grande diversidade de castas de vinho. Adicionalmente, considerando que as práticas vitícolas, enológicas e afins são mais amigas do ambiente, contribuirão para um ‘mundo mais verde’. Finalmente, graças a esta atitude que paulatinamente se irá disseminando, a imagem da região e dos seus vinhos ficará valorizada a nível internacional.
De que forma é que essas medidas têm contribuído para a sustentabilidade económica das empresas da região?
A RDD, em especial o Alto Douro Vinhateiro – desde 2001 Património Mundial da Humanidade da UNESCO – uma obra do esforço combinado do Homem e da natureza, uma das paisagens antrópicas mais emblemáticas do mundo vitivinícola, constitui um património socioeconómico, agroecológico e cultural de inegável valor. Temos apelado, por conseguinte, para o reforço do papel dos agrupamentos de produtores e a incontornável necessidade de promoção e proteção daqueles instrumentos de concorrência num mercado global (em que o local se tornou global) que são as denominações de origem e as indicações geográficas enquanto direitos de propriedade intelectual. As empresas, muitas delas desenvolvendo os seus próprios projetos de sustentabilidade, estão de certa forma unidas num projeto comum de sustentabilidade global da região e na preservação dos seus recursos, cientes que apenas neste encalço poderão singrar no futuro.
No referente à paisagem, que é um dos vetores em que exprime a sustentabilidade, importará recordar o que está lavrado na Convenção do Património Mundial […]