O consultor ambiental Carlos Costa considerou hoje que, na sequência dos incêndios do Centro e Norte do país, as autoridades devem contabilizar danos no edificado e infraestruturas, mas também prejuízos para o ambiente, incluindo contaminações de solos e águas.
“Muitas vezes o que se inventaria são danos nas infraestruturas ou nas estruturas dos edifícios, mas esquece-se depois os danos ambientais que foram produzidos na contaminação do solo, na contaminação das águas”, afirmou à Lusa o especialista associado da Associação das Empresas Portuguesas do Setor do Ambiente (AEPSA).
De acordo com Carlos Costa, existem zonas industriais mais antigas ou sem tecido empresarial muito qualificado que “podem ter um menor controlo” na gestão dos resíduos, mas também existem “zonas industriais que foram planeadas, que tiveram o seu plano de pormenor inserido dentro do plano diretor municipal, ou de outros instrumentos de gestão territorial, e que estão bem equipadas e bem planeadas”.
“É uma situação muito variada no tecido urbano e periurbano nacional” e muito em particular “na zona Centro e Norte do país, mais litoral”, disse.
Por isso, defendeu o especialista, na “inventariação dos danos produzidos pelo incêndio nessas zonas que possuam instalações que potencialmente podem ter provocado contaminações”, não se devia apenas “olhar para os edifícios ou as infraestruturas que foram consumidas, mas também para o próprio meio ambiente que foi afetado”.
“É importante verificar se existiram derrames importantes de hidrocarbonetos, portanto, de combustíveis, se foram, digamos, queimados bens que potencialmente contêm substâncias perigosas” e se houve “trajetos ou vias de exposição à contaminação dos diversos meios”, salientou.
O antigo professor da Universidade Nova, que coordenou as áreas de geologia e ambiente, explicou que na legislação portuguesa está prevista a responsabilização ambiental, por afetação do solo, águas e ecossistemas, que leva “à necessidade de reparação desses meios”, através da identificação do responsável pelos prejuízos, como serão recuperados ou contrapartidas “para que esses danos sejam de alguma forma ressarcidos em nome do ambiente”.
“É um trabalho que tem que ser feito, no meu ponto de vista, quer pelas entidades municipais, quer pelas comissões de coordenação e desenvolvimento regional [CCDR], neste caso do Centro e do Norte do país”, salientou.
No entanto, o também fundador da Egiamb, empresa especializada em projetos de descontaminação, tem dúvidas de que, nestas alturas, se vá além da “contabilização das perdas diretas”, particulares ou até públicas, não avaliando “as perdas para o ambiente”, nomeadamente dos danos “produzidos nos solos, que porventura tenham sido afetados por derrames, por infiltrações de contaminantes” e da sua “transmissão para as águas”.
Este é, aliás, “um problema bastante grave” na medida em que, muitas vezes, existem poços até “de baixa profundidade, que facilmente ficam contaminados, ou captações” camarárias “que podem ser afetadas na sua qualidade para consumo humano”, frisou.
Carlos Costa enunciou o “exemplo teórico” da empresa com a sua estação de tratamento de águas industriais afetada pela rutura das condutas pelo fogo, levando à dispersão dos resíduos para uma linha de água e para os solos e terrenos agrícolas adjacentes, antes de se infiltrar nos aquíferos.
“Isto é um problema grave, e agora a questão que se põe é quem é o causador desta situação? É o industrial, que porventura até poderia ter a estação a funcionar como deve ser? É, digamos, aquele que provocou o incêndio? Enfim, é muito difícil aqui agora dirimir responsabilidades”, admitiu.
Nesse sentido, Carlos Costa defendeu que, se o Estado tem falta de quadros para resolver o problema, pode sempre recorrer ao setor privado para essa inventariação, tanto mais que o primeiro-ministro disse “que não haveria falta de dinheiro para resolver as questões que resultaram” destes incêndios e existirão fundos europeus que podem “ser mobilizados para tragédias deste tipo”.
Para o associado da AEPSA, embora não querendo analisar a fundo a questão dos danos em meio florestal, também será importante avaliar o arrastamento da matéria orgânica nas encostas devido aos fenómenos de erosão, e às chuvas, bem como das cinzas transportadas para as linhas de água e depois para rios e albufeiras.
“Tudo isto também vai trazer um impacto muito importante na qualidade das águas, não é? E na qualidade dos solos que vão ser atravessados por estes materiais”, acrescentou.
Sete pessoas morreram e 177 ficaram feridas devido aos incêndios que atingiram desde domingo sobretudo as regiões Norte e Centro do país e destruíram dezenas de casas.
A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) contabiliza cinco mortos, excluindo da contagem dois civis que morreram de doença súbita.
A área ardida em Portugal continental desde domingo ultrapassa os 124 mil hectares, segundo o sistema europeu Copernicus, que mostra que nas regiões Norte e Centro já arderam mais de 116 mil hectares, 93% da área ardida em todo o território nacional.