Por vezes, somos assaltados por aquela ideia de que há leis a mais no nosso país e que o problema é cumpri-las.
Na verdade, esta perceção vai um pouco ao encontro do nosso comportamento quotidiano. É como passar um sinal vermelho ou não parar obrigatoriamente no STOP e jurar a pés juntos ao senhor agente que o semáforo ainda estava amarelo ou que não reparou no tal STOP.
Sim, por vezes, os portugueses olham para as regras e para as leis como meras sugestões.
Talvez porque vivemos num país onde a produção legislativa é, digamos assim, bastante produtiva. Tão produtiva que, volta e meia, é preciso aplicar uma dieta de choque aos arquivos. O mesmo é dizer, eliminar aquelas leis que caíram em desuso.
Na última semana, li um artigo em que se dizia que o governo revogou cerca de 1.200 decretos-leis, criados entre 1981 e 1985. Mais de 800 páginas impressas, 14 quilos de peças legislativas. Leis obsoletas deste país que pesam o equivalente a uma criança de 2 ou 3 anos de idade.
Leis com quase 40 anos que abrangiam domínios tão vastos como as regras para o endividamento do Estado em escudos, ou o fabrico da margarina, ou até a declaração de três dias de luto nacional, pela morte de Anwar al-Sadat, o presidente egípcio assassinado em outubro de 1981. Vai para 38 anos. E só agora vai ser eliminado do ordenamento jurídico nacional.
Estamos agora na segunda fase do programa Revoga+. E há de haver uma terceira para eliminar os decretos-leis obsoletos produzidos entre 1986 e 1990.
Mas para que tenha uma ideia do ritmo desta iniciativa, até esta altura já foram apagadas cerca de 3.500 leis em desuso.
Só na primeira fase deste programa Revoga+ caíram 2.270 diplomas produzidos entre 1 de janeiro de 1975 e 31 de dezembro de 1980. Foram 2.191 dias em que nasceram 2.270 leis. Uma peça legislativa por dia. 2.270 que deixaram de fazer sentido, mas que nunca tinham sido expressamente revogadas.
Desde regras para a criação de empresas públicas que já não existem, aumentos salariais para militares, preenchimento de quadros da PSP e da GNR. Até um decreto-lei para indemnizar um guarda florestal a quem ardeu a casa num incêndio em agosto de 1978 no monte de Santa Luzia, em Viana do Castelo.
O decreto-lei 215/78 determinava a atribuição de um subsídio de 120 mil escudos (hoje, cerca de 9 mil euros) a título de compensação definitiva por perda da habitação num incêndio de causas desconhecidas.
Algo injusto, no entendimento do governo à época chefiado por Alfredo Nobre Costa, o III Governo Constitucional constituído por iniciativa do Presidente da República António Ramalho Eanes.