Dois dias depois de o ministro da Agricultura ter anunciado o fim da concessão de apoios a novos projetos para instalação de olival no perímetro do Alqueva, Capoulas Santos vai receber da Federação Nacional dos Regantes de Portugal (Fenareg) um conjunto de propostas para definir uma estratégia nacional de regadio até 2050, que passa, por exemplo, por implementar um regime de caudal nas bacias hidrográficas para não haver períodos de caudal nulo, como acontece no Tejo, ou acelerar as ligações do Alqueva às albufeiras. Para a associação, que representa cerca de 25 mil agricultores regantes, até 2027, vão ser necessários 1,7 mil milhões de euros de investimento no setor do regadio em Portugal.
O estudo que a Fenreg solicitou à Agroges para dar um “contributo sólido e fundamentado para a definição de uma Estratégia Nacional para o Regadio em Portugal”, vai ser apresentado esta sexta-feira a Capoulas Santos, na Feira da Agricultura de Santarém. Entre as conclusões está a “necessidade de se promover o aumento da capacidade de armazenamento de água em algumas bacias hidrográficas, com realce para as bacias do Tejo, do Sado e do Guadiana, através da construção e/ou aumento da capacidade de armazenamento útil de barragens já existentes”, mas também antecipar pagamentos da Política Agrícola Comum (PAC).
Neste último ponto, o Ministério da Agricultura parece já estar a dar resposta com a decisão de antecipar em três meses, para outubro, pagamentos da PAC aos agricultores afetados pela seca — que já se começou a fazer sentir em maio — e abrir concurso de três milhões de euros para captação, armazenamento e transporte de água.
Para a federação, que agrupa entidades dedicadas à gestão da água para rega, tanto superficial como subterrânea, é essencial “facilitar acesso à água e o abeberamento do gado, flexibilizar a abertura de furos e charcas e ativar linhas de crédito para fazer face à previsível escassez de água“. Para isso é também fundamental “implementar instrumentos financeiros de gestão de risco com garantia do Estado para o caso de seca” e, claro, utilizar o Alqueva para “mitigar a seca, viabilizando o preço da água para reforço às albufeiras do perímetros de rega confinantes e fixar o período de carência para a campanha de rega de 2019 com escalão do preço da água nos 0,018 euros/m3“.
O preço da água é fixado por despacho conjunto dos ministérios da Agricultura, do Ambiente e das Finanças. A Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), uma sociedade anónima de capitais públicos, vende o metro cúbico de água a 0,089 euros (alta pressão) e 0,032 euros (baixa pressão). Isto porque na baixa pressão, a água sai da boca de rega com menos de três quilos de pressão e o contratante precisa de energia para a água circular pela tubagem. Ora, como tem mais essa despesa com a eletricidade, a água é mais barata. Mas, o presidente da EDIA, José Carlos Salema, disse, em entrevista ao Dinheiro Vivo (acesso livre), que “a água vai ter de acompanhar a subida do preço de energia“.
A Fenareg sugere ainda que se isente o setor agrícola de “pagar taxa de recursos hídricos”, “dado o impacto na determinação dos preços da água, mas também diminuir outros custos”. No âmbito da revisão dos modelos de tarifário sugerem que se premeiem os aumentos de eficiência alcançados. A federação defende o “uso eficiente da água através da implementação da sazonalidade nos contratos de eletricidade”, mas também “substituir fontes de energia convencionais por renováveis”.
Entre as prioridades definidas está ainda a necessidade de “modernizar e reabilitar infraestruturas de regadio para aproveitar ao máximo as atuais disponibilidade financeiras envolvendo associações de regante e agricultores” e ainda “acelerar as ligações do Alqueva às albufeiras”, sendo as mais urgentes a do Monte da Rocha, Vigia e Fonte de Serne, sugere a Federação.
Fim de apoios a novos olivais no Alqueva contestado
“O regadio desempenha hoje um papel essencial para a competitividade da agricultura portuguesa, papel esse que irá acentuar-se ao
longo dos próximos anos por força do processo de alterações climáticas em curso”. Esta é uma das conclusões do estudo que é apresentado esta sexta-feira. E é esse “papel essencial” que leva Manuel Reis, presidente da Associação de Beneficiários da Obra de Rega de Odivelas (ABORO), uma das associações que integram a Fenareg, a contestar a decisão do Ministério da Agricultura de pôr fim à concessão de apoios a novos projetos para instalação de olival no perímetro do Alqueva.
“No perímetro do Alqueva, já existem cerca de 55 mil hectares de olival, o que significa que será cerca de um terço do perímetro de rega. Entendemos que mais do que 30% de uma única atividade no perímetro de rega começa a ser excessivo”, disse Capoulas Santos na quarta-feira no Parlamento, no início do debate de urgência requerido pelos Partido Ecologistas “Os Verdes”, citado pela Lusa. Nesse sentido, o ministro da Agricultura afirmou ter determinado que, no âmbito do atual quadro comunitário de apoio, “no perímetro do Alqueva, não haverá mais apoios ao investimento para a instalação de olivais, nem para a instalação de agroindústrias associadas ao olival”.
Para Manuel Reis em causa está um problema de ordenamento do território, porque a maioria dos agricultores são obrigados a adotar práticas de greening — 75% da superfície cultivável está sujeita ao requisito de diversificação das culturas — para obter apoios comunitários, mas essa regra não se aplica ao olival. O presidente da ABORO aponta o dedo à EDIA que deveria ter apostado mais na sua vertente de ordenamento do território. “Faltou visão. A EDIA é uma empresa de desenvolvimento e não de rega”, frisa em declarações ao ECO.
O Estado não explora de forma direta os regadios públicos. A legislação prevê que seja feito um contrato de concessão a uma entidade gestora — uma Associação de Regantes e Beneficiários. Neste contrato é averbado um Título de Utilização de Recursos Hídricos, ficando a entidade gestora responsável pela gestão de toda a infraestrutura, isto é, pela sua manutenção, reabilitação e operação. A exceção é “o Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, onde o Estado entendeu dever concessionar a generalidade dos Blocos de Rega à entidade responsável pela obra executada – a EDIA”, lembra o felatório da Fenareg.
Manuel Reis recorda que Capoulas Santos “até estava recetivo a integrar os agricultores precários (que instalaram culturas na periferia dos blocos de rega)“. Em causa estão 20 mil hectares de precários. Para o responsável, que é também agricultor, “não faz sentido que o Governo impulsione e incentive o regadio do Alqueva, e agora mande embora os agricultores, porque não há água para todos”. De sublinhar que os projetos de investimento destes agricultores foram aprovados no âmbito do PDR2020, “sendo na sua maioria culturas permanentes” (olival e amendoal), como sublinhou a Associação de Proprietários e Beneficiários do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva (APBA), em comunicado, no passado mês de abril.