Já sabíamos que o desastre de Pedrógão Grande e dos incêndios do Outono de 2017 iriam deixar feridas difíceis de curar. A credibilidade e eficácia do Estado para proteger vidas dos cidadãos, uma das suas principais funções, ficou irremediavelmente abalada. A competência dos serviços de protecção civil deixou um rasto de dúvidas. A qualidade da infra-estrutura que permite as comunicações em situações de emergência demonstrou estar ao nível da idade do ferro. O desordenamento do território acentuou a imagem de um país abandonado, maltratado e comprometido pelo extractivismo típico da sociedade portuguesa e pelo domínio dos interesses particulares. E, como consequência, as expectativas das últimas gerações em relação ao aproveitamento do nosso mais importante recurso renovável, a floresta, parecem hoje uma mera ilusão.
Uma tragédia da dimensão da do Verão e Outono de 2017 não pode obviamente ser esquecida e superada num golpe de mágica. E, sejamos justos, não é fácil aos poderes públicos ou aos cidadãos resolverem num ápice problemas que, em muitos casos, resultam de meio século de negligência e dolo na gestão e ordenamento do território. Mas, apesar das dificuldades, vale a pena questionar o que foi feito e projectar as suas implicações no futuro. Chegaremos então ao nó do problema: fez-se pouco e fez-se muitas coisas mal. O país continua hoje embrulhado nos egos da protecção civil, não avançou nas políticas para o território, não foi capaz de garantir o serviço apontado ao SIRESP, limitou-se a fazer remendos na política florestal e, principalmente, continua incapaz de desfazer a ideia de que Pedrógão foi um acidente. O medo, mostra o nosso destaque de hoje, está a paralisar o investimento florestal e a condenar ainda mais o mundo rural à ruína e ao abandono.
A reparação dos danos de Pedrógão, todos estarão de acordo, exige muito mais do que medidas paliativas. Exige dinheiro, determinação e velocidade na acção, algo que o Estado endividado, burocrático e hipercentralizado não tem. Exige formas inovadoras de gestão florestal que separem a propriedade do planeamento e da exploração. Exige incentivos fiscais que estimulem o investimento. Exige o combate a essa ideologia tonta que condena espécies como o eucalipto. Muitas dessas medidas existem e tem sido notória a aplicação do Ministério da Agricultura em levá-las ao terreno. O problema é a adequação entre os meios e os fins, entre as expectativas e a realidade. Dois anos depois de Pedrógão, sobra pois uma triste conclusão: a dimensão do desafio da floresta, e do interior, exige meios e ânimo que no presente o país não parece ter.