A semana que hoje termina, fica marcada, claramente, pelo flagelo dos incêndios e pela implementação das tarifas impostas pela Administração Trump, em muitos casos, usando as tarifas impostas a determinados países para forçar um acordo com outros, seja por motivos evidentemente económicos (de déficit comercial) ou meramente políticos, de que são exemplos, respetivamente, a Índia ou o Brasil. Emergem as preocupações com as perspetivas económicas globais, como o arrefecimento do PIB ou o aumento da inflação. Mais instabilidade e imprevisibilidade.
No caso dos incêndios, a tristeza de mais um ano de terra ardida, morte de animais, as discussões em torno dos meios de combate, a estratégia para a floresta, os incendiários e a criminalidade, a limpeza dos matos, a propriedade e o minifúndio…, mais abandono, produtores agrícolas e pecuários, muitos deles já envelhecidos, que perdem animais e que não vão restabelecer a estrutura produtiva. A ajuda está prometida, esperemos que não tarde em chegar. A IACA, em colaboração com a OMV, está já no terreno com a “IACA Solidária”, no concelho de Ponte da Barca. Agradecemos, uma vez mais, às empresas a cooperação e a disponibilidade. Mas é preciso ir mais longe, relembrando-se que temos um Protocolo com a DGAV que aguarda a resolução de alguns problemas fiscais para ser assinado, instituindo uma ajuda à alimentação animal em ocasiões de necessidade. Temos de dispor de mecanismos que atuem de forma preventiva e permanente, preparados para responder de imediato às emergências, para além do voluntarismo. Da “emoção do momento”. E se há coisa que sabemos é que estas situações de catástrofe vão ser mais frequentes, se outra razão não existir, devido às alterações climáticas.
Relativamente às tarifas e ao acordo político entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União Europeia (UE), assinado nas condições que todos conhecemos e que tantos já comentaram, nunca saberemos o que poderia ter acontecido se a UE tivesse recusado os 15%, valorizando a ameaça das propostas de retaliação que, diga-se em abono da verdade, seriam muito penalizadoras para o Agroalimentar.
A verdade é que os 10% que estavam a ser negociados e que na opinião dos negociadores europeus estava a correr bem, transformaram-se numa ameaça de 30% e é evidente que, neste quadro, os 15% acordados entre o Presidente Trump e a Presidente da Comissão Europeia, pese embora alguma “humilhação diplomática”, foi o acordo possível no contexto atual em que vivemos. É fácil argumentar que podia ter sido diferente, mas é bom lembrar as divergências dos Estados-membros e a falta de coesão política que, infelizmente, está para durar e que se pode acentuar com a evolução da guerra na Ucrânia e com os resultados de uma eventual negociação de paz. A falada adesão da Ucrânia à União Europeia ou as obrigações que decorreram da última Cimeira da NATO, para não falar da discussão sobre o Quadro Financeiro Plurianual que já aqui analisámos, também devem ser tidas em conta quando refletimos sobre a posição de Ursula von der Leyen relativamente às “Tarifas Trump”.
De facto, vivemos tempos estranhos, de desvalorização dos métodos diplomáticos a que nos tínhamos habituado e de paralisia de organizações internacionais, como, por exemplo, a Organização Mundial do Comércio. O Brasil e outros países têm feito apelos constantes para que intervenha neste processo de fixação de tarifas unilaterais pelos EUA e até a própria Comissão Europeia o reconhece, no Regulamento que suspende a proposta de medidas de retaliação, ao referir que tal “não prejudica a posição da União de que as medidas de salvaguarda adotadas pelos Estados Unidos continuam a ser incompatíveis com o Acordo que Cria a Organização Mundial do Comércio”.
O problema é que quando se fala na “capitulação da Europa” ou da “rendição europeia” devia olhar-se para um bloco europeu economicamente robusto, mas um “anão” político. A questão é saber se estamos disponíveis para uma maior integração política ou se vamos continuar nesta hipocrisia e tacticismos políticos que estão a marcar as relações internacionais.
Infelizmente, temos um acordo político, com tarifas de 15%, mas não conhecemos até hoje os detalhes, por exemplo, o que pode acontecer a alguns produtos relevantes para a alimentação animal. O que nos informam de Bruxelas é que o milho e a soja poderão estar no pacote “zero for zero”, mas os aditivos e coccidiostáticos podem ficar de fora. Vamos ter de esperar pela declaração final dos EUA e da UE, quando nos dizem que 95% do texto está definido, sabendo que existem problemas em setores como o alumínio e o aço, mas também as farmacêuticas ou os semicondutores. Mas também é preciso aguardar pelas posições dos Estados-membros e do Parlamento Europeu.
Numa reunião que tivemos hoje com os Ministros da Economia e Coesão, e da Agricultura e Mar, promovida pelo Secretário de Estado da Economia, com um conjunto de outras estruturas representativas, foi valorizado claramente o papel do Agroalimentar, mas igualmente reconhecida a instabilidade e incerteza e, deste ponto de vista, até dos detalhes do acordo. O Governo não tinha qualquer informação adicional. Quis apenas (e bem) auscultar as diferentes organizações.
A IACA reiterou as suas posições, incluindo o que pensa acerca do EUDR e do impacto das tarifas na alimentação animal e nos custos da pecuária. Outras entidades reforçaram esta posição porque são as empresas e os consumidores a pagar a fatura (os produtos alimentares têm de ficar no pacote zero-zero), mas as grandes conclusões desta reunião foram as de que precisamos de mais simplificação, menos burocracia, de apoios robustos à exportação, mas também no mercado interno. É necessário ter uma estratégia definida, encontrar novos mercados e um novo rumo. Maior previsibilidade e estabilidade pelo menos no quadro nacional e europeu.
Entre as várias dessintonias e posições desconcertadas que o contexto atual nos traz, no fundamental, acordos são necessários. Não nos podemos votar ao “transe” da espuma dos dias. Temos (mesmo) de Acordar.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Um tranquilo mês de Agosto? – Jaime Piçarra – Notas da semana