Artigo publicado originalmente no Observador, em dezembro de 2021 e publicado posteriormente em Produtores Florestais, com adaptações em junho de 2025, n.º 19, dezembro de 2025
Sobre os camelos e a sua origem, Ken Thompson, no livro “Where do camels belong?”, cuja leitura vivamente recomendo, evidencia as partidas que a natureza nos prepara, ao notar a aparente contradição que existe entre o facto de todos associarmos os camelos aos continentes africano e asiático, mas a espécie ter tido origem na América do Norte. E, imagine-se, a Austrália é hoje o único território em que existem dromedários no estado selvagem. O livro referido prossegue, para lá dos camelos, focando-se nas espécies exóticas que, tendo migrado por influências diversas, contribuíram para a construção da biodiversidade tal como hoje a conhecemos.
Vem esta referência a propósito da abordagem politicamente correta que continua a dominar, de forma quase sufocante, a discussão que incide sobre a floresta em Portugal. Segundo esta narrativa, as espécies florestais autóctones são remédio para todos os males de que a floresta padece: se as preferirmos teremos a floresta de sonho que merecemos. Tanto para os fazedores da política florestal (a nível nacional e a nível autárquico) como para a generalidade dos arautos da opinião publicada, desde que “espécie autóctone” seja o nome do meio da solução proposta, essa solução é boa. E quem disser o contrário é, no mínimo, exótico.
Mais adiante voltarei à Floresta, mas de momento continuo preocupado com os camelos. Será que devemos lutar pela proibição dos camelos domesticados que existem em África ou na Ásia, defendendo a utilização alternativa dos búfalos (alguns deles asiáticos de gema) ou das zebras (todas africanas, com exceção das nascidas nos zoológicos), com o argumento de que uns são autóctones e os outros não? Deveremos pôr fim àqueles que, em liberdade e estado selvagem, se reproduzem na Austrália? Definitivamente estou preocupado com os camelos.

A minha angústia aumenta quando me apercebo das espécies que fazem companhia aos camelos, neste mundo de bons e maus, de autóctones e de exóticos. Penso no arroz, essa espécie de origem asiática, domesticada há mais de 10 mil anos, e que infesta os vales dos autóctones rios Mondego, Tejo (este nasce em Espanha, mas sendo Ibérico, tem passaporte autóctone), Sorraia e Sado. Porque vai bem com arroz, preocupo-me também com o tomate, qual primo sul-americano originário da região norte do Chile e da Colômbia, e de cuja produção somos campeões em Portugal.
E por aí fora. A lista das espécies não alinhadas com o discurso autóctone não tem fim, nem no mundo vegetal nem no mundo animal. Aliás, um dos mais interessantes exemplos de animais não autóctones que ocuparam o nosso território, este nosso Portugal, é um tal de Homo sapiens, surgido há mais de 300 mil anos… em África. Migrando para fora do seu continente de origem, substituiu uma série de espécies autóctones de outras geografias, também do género Homo.
E assim voltamos à Floresta e à espécie que está no centro desta minha reflexão. De onde vieram os eucaliptos, esses exóticos e bem-adaptados espécimenes florestais que temos em Portugal? Em concreto o Eucalyptus globulus, o príncipe dos eucaliptos, sabemos que é autóctone da Tasmânia e sueste da Austrália, e que foi introduzido em Portugal há mais de 200 anos. Sendo uma espécie exótica bem-adaptada às condições do nosso país (para nossa sorte e azar de muitos, entre os quais os alemães, várias vezes apontados pelos detratores do eucalipto como o exemplo de que, se fosse bom, também eles o tinham), ela naturalizou-se, qual camelo no deserto do Sahara. Tal como esses camelos, os eucaliptos têm uma enorme utilidade para Portugal e para a nossa economia (e poderiam ter muito mais!), sendo uma matéria-prima de excelência para a indústria da pasta e do papel, topo de uma fileira geradora de riqueza, peça essencial para o sucesso do processo de descarbonização da economia e promotora (desde que bem gerida) de diversos outros serviços de ecossistemas.
Claro que, como os camelos, para serem úteis, os eucaliptos têm de ser adequadamente geridos e cuidados. Se o não forem, asselvajam-se como os dromedários na Austrália… ou com o Homo sapiens por esse mundo fora. Cuidemos, pois, dos nossos camelos, para deles tirarmos todo o partido.
Concluo, na associação improvável entre camelos e floresta. Cada país tem os seus camelos, de onde quer que tenham vindo. Diria mesmo que cada país tem os camelos que merece. Para nossa sorte, entre outros, calhou-nos o eucalipto. Será que fazemos por o merecer? Não é bom por ser exótico. Mas ser exótico em nada diminui as suas qualidades nem o enorme partido que dele podemos tirar. Assim os mereçamos e que nunca tenhamos de colocar a pergunta: para onde foram os nossos camelos?
Francisco Gomes da Silva
Director Geral
O artigo foi publicado originalmente em AGRO.GES.














































