No passado dia 21 de Outubro, a Comissão Europeia apresentou um Comunicado de Imprensa que abriu réstias de otimismo nos leitores, rapidamente ofuscadas pelo ceticismo. Foram comunicadas medidas no âmbito de uma estratégia de renovação geracional na Agricultura – um tema central e fundamental para um setor em envelhecimento crónico. Contudo, perante o caráter vago e pouco estrutural das soluções, a grande dúvida permanece: estaremos, mais uma vez, a evitar olhar nos olhos do real problema?
A estratégia identifica cinco “alavancas” encorajadoras, sendo a mais relevante o Apoio Financeiro Obrigatório: um “pacote de arranque” com montante fixo máximo de €300.000. A promessa de melhor orientação dos fundos para os jovens agricultores e articulação com o BEI para melhores condições de financiamento são também sinais positivos e necessários. Propõem ainda a criação de um Observatório Europeu de Terras Agrícolas, para aumentar a transparência fundiária, e apresentam medidas de Apoio à Sucessão – demonstrando compreender a necessidade de facilitar a passagem de testemunho no sector, reforçando a necessidade de um maior apoio financeiro aos agricultores na reforma e de um planeamento antecipado da transferência das propriedades.
A forte alusão à Qualidade de Vida em meio rural, propondo o cofinanciamento de serviços de substituição para férias ou doença, a proteção do equilíbrio entre vida profissional e pessoal, e o acesso a serviços básicos (saúde, escolas, internet), revela que a Comissão entende que a vida no meio rural sofre hoje grandes limitações, e que a vida de Agricultor não se poupa em sacrifícios. Por fim, a recomendação aos Estados-Membros de um Investimento Mínimo Garantido de 6% da despesa agrícola para o rejuvenescimento é uma alocação de fundos que pode, de facto, ser significativa.
Os incentivos são essenciais, mas pergunto: não deveríamos estar a falar numa revolução mais profunda, se de facto queremos que a Agricultura europeia subsista? Deixo também algumas perspectivas para reflexão:
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As novas gerações investem de forma estratégica e informada – poucos escolherão dedicar-se a um negócio com baixo rendimento potencial. O primeiro ponto de descrédito nesta estratégia, é não reconhecer que o principal fator dissuasor não é a entrada na atividade, mas sim o lucro que se venha a retirar dela. O lucro produzido pela atividade agrícola é pouco expressivo face ao constante aumento dos custos de produção, sem que o preço de mercado reflita esse aumento (e que este se repercuta na cadeia de abastecimento, chegando ao bolso dos agricultores). Aliás, o rendimento médio dos agricultores na UE é 40% do rendimento médio de outras atividades. Infelizmente, para este problema de Rentabilidade, a Comissão não apresenta qualquer solução.
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O foco das novas medidas deveria estar no reforço do poder negocial dos agricultores nas cadeias de abastecimento alimentar, de forma a que se garanta um preço justo e estável pelas suas produções. O associativismo e a cooperação entre produtores parecem-me ser o único caminho para se alcançar essa relevância e posição negocial, algo também referido pela Comissão. A par disto, é fundamental que uma visão estratégica se foque na comunicação e notoriedade da Agricultura europeia junto do consumidor, clarificando a sua proposta de valor face a concorrentes externos à UE, que não estão sujeitos aos mesmos custos nem às mesmas exigências de qualidade na produção.
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Relativamente à Qualidade de vida no mundo rural, cujas limitações estão de facto identificadas neste comunicado, é um tema de tal forma relevante e abrangente em termos governativos, que não faz sentido ser focado como elemento de estratégia agrícola. São medidas no âmbito da Coesão Territorial, que de facto impactam a Agricultura, mas que não são determinadas por ela. E para todos os serviços mencionados, é necessário algo de que o interior carece e muito, mas que não cabe apenas à Agricultura resolver: incentivos à fixação e mão de obra.
Grande parte do ceticismo reside também no facto de todas as medidas propostas pela Comissão no seu comunicado sofrerem o filtro da aplicação nacional:
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Em Portugal, temos um histórico de burocracia muito pesado e complexo associado à PAC e ao acesso aos financiamentos. Receio que uma proposta generosa de Bruxelas seja, na prática, morosa e desmotivadora na sua implementação.
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Relativamente à nossa contribuição para o Observatório Europeu das Terras Agrícolas – há muito que a conciliação entre o cadastro da propriedade rústica e o registo nas Finanças é uma questão de difícil abordagem em Portugal. Um projeto recente e inovador – o BUPI – vem tentar dar resposta a este obstáculo já antigo, mas ainda não atingiu a abrangência e sistematização desejada. Ora, se em Portugal o mapeamento da propriedade rural ainda é deficitário (apesar de estar no caminho certo), difícil será imaginar a conciliação das disparidades (nossas e de outros países) no Observatório que se pretende criar.
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Por fim, o Acesso ao Crédito carece também de um reconhecimento por parte da banca da Agricultura como atividade que mereça confiança. A sua resistência relativamente ao risco penaliza severamente os investimentos dos jovens agricultores (e não apenas na atividade agrícola), sobretudo se esta for a sua atividade exclusiva. Diretivas superiores e transversais às várias entidades bancárias e uma maior resiliência da Agricultura face ao mercado seriam caminhos para ultrapassar esta resistência.
Mas não podemos focar-nos nestes aspetos concretos sem regressar a dois fatores de enorme preocupação que, como pano de fundo, poderão comprometer todo o resto.
O primeiro é a proposta apresentada pela Comissão de fundir a PAC com os fundos para a Coesão, eliminando o Segundo Pilar. Ora, se o Segundo Pilar financia apoios concretos para a instalação dos jovens agricultores, ao fundir estes dois orçamentos existe um risco agravado de diluição dos financiamentos e de desvio para outras “prioridades”. Os temas da Coesão são importantes, mas não devem competir com a Agricultura pelo mesmo “bolo”.
O segundo, consiste na proposta de redução da quota-parte da Agricultura no orçamento de longo prazo da UE, num corte estimado de 20% em verbas para a PAC, quando o orçamento na generalidade cresce 40%. Isto é uma decisão de desinvestimento assumida, e de óbvio contra-senso quando colocada ao lado de uma estratégia de suposto incentivo à renovação geracional na Agricultura, com intenção de duplicação da percentagem de jovens agricultores até 2040.
A este cenário, junta-se a intenção de Nacionalização dos fundos, dando autonomia aos Estados-Membros para gerir grande parte deste diminuto orçamento. O que pode ser visto como uma vantagem na autonomia, vai na realidade gerar, a nível comunitário, uma crescente desigualdade e desequilíbrio – o oposto de uma estratégia agrícola europeia uníssona e competitiva, que deveria ser o horizonte a alcançar.
Em conclusão, olhamos para uma estratégia de rejuvenescimento e para uma declaração de intenções positiva — que reconhece um problema grave — mas que levanta sérias dúvidas quanto à sua aplicação. Para além de não se focar nos problemas mais prementes do sector, e de ter uma forte componente de variabilidade na aplicação nacional, tem ainda uma cortina de fundo – o desinvestimento em orçamento e a proposta de fusão da PAC/Coesão – que ameaça cortar as asas desta mesma estratégia à partida.
Queremos uma Europa que coloque os jovens como prioridade para a Agricultura do futuro? Claro que sim. Mas olhando para a sua realidade na Europa, os problemas que atravessa, e aquilo que deve oferecer a quem investe nela: rentabilidade, inovação, competitividade e respeito. Só assim é possível que a Agricultura europeia se fortaleça, e que este futuro, alicerçado nos jovens, se construa.
Isabel Abreu Lima
Jovem Agricultora, Coordenadora do Conselho Consultivo dos Jovens Agricultores da CAP











































