Estava Portugal em plena pandemia, estava eu em plenas lavouras antes da sementeira do milho e estava o meu trator quase sem gasóleo. Parei para abastecer por uns minutos e aproveitei para fotografar as minhas luvas de trabalho.
Porquê? Porque horas antes tinha sido publicado um vídeo de agradecimento às “mãos calejadas” dos agricultores que não pararam de produzir e alimentar o país. O vídeo mereceu vários aplausos mas também uma crítica porque “as mãos calejadas das enxadas já não são a realidade da agricultura portuguesa” e retratar assim é um “desprestígio”.
Fiquei a pensar no assunto e decidi fotografar as minhas luvas porque, por causa delas e de muitas outras que já rompi, quase não tenho calos nas mãos. Comecei a usar luvas muito cedo para evitar os arranhões frequentes nas mãos quando ajudava a família nos trabalhos agrícolas. Não era normal usar luvas. Era até motivo de gozo por parte de alguns trabalhadores mais velhos. Equipamentos de proteção individual sempre incomodaram os portugueses. Só passámos a usar cinto de segurança no carro e capacete na mota quando a multa passou a doer. Ainda há resistência ao uso de coletes salva-vidas na pesca e arcos de segurança ou cabines nos tratores.
Hoje o trabalho agrícola é menos manual do que já foi, hoje usamos menos enxadas e forquilhas, usamos mais computadores, volantes com direção assistida e alavancas de velocidades que exigem menos esforço e fazem menos calos.
Não há uma única “agricultura” portuguesa. Há muitas agriculturas, de muitas dimensões, com atividades e tarefas diferentes, mais mecanizadas ou mais manuais, com mais ou menos calos. Não há motivo para ter vergonha das mãos calejadas porque são mãos que cuidam e produzem para alimentar. Isso é motivo de orgulho, qualquer que seja a idade do agricultor e a dimensão da agricultura que desenvolve, para sua subsistência, da sua família ou capaz de alimentar uma cidade. Mas orgulho pelo trabalho, não pelos calos, pelos arranhões ou outras agressões, por exemplo da lixívia usada para desinfetar. Vai trabalhar na agricultura? Proteja as suas mãos. Ao princípio as luvas podem incomodar, fazer comichão, mas depois a gente habitua-se. Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Mãos de agricultor são importantes. Mãos que cuidam e alimentam. Alimente quem o alimenta! Cuide das mãos que cuidam!
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#alimentequemoalimenta
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.
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