Consulta pública duma nova Central Solar Fotovoltaica, no concelho de Ferreira do Alentejo, termina hoje: área proposta abrange 750 hectares na serra do Paço, no limite com o concelho de Beja
Termina hoje, dia 10 de abril, a consulta pública relativa ao Estudo de Impacte Ambiental (EIA) duma nova central solar fotovoltaica em Ferreira do Alentejo, projeto que incide numa zona de afloramentos rochosos dos Gabros de Beja, conhecida como serra do Paço, (também por serra do Mira), um conjunto de colinas numa área limítrofe dos concelhos de Beja e Ferreira do Alentejo e onde se atinge os 280 m de altitude.
A área da serra do Paço ou do Mira constitui uma área ímpar no Baixo Alentejo
As características geológicas desta área, assente numa formação geológica rara no contexto ibérico (os gabros, rochas plutónicas básicas), e na diversidade pedológica e orográfica que estão aqui presentes, determinaram a notável heterogeneidade das suas comunidades biológicas, com ênfase particular na flora aí existente, mas também enquanto habitat que constitui para mamíferos e aves com interesse para a conservação, numa região que pouco a pouco vê a sua envolvente completamente transformada pela atividade agrícola mais intensiva.
A riqueza desta área em termos de biodiversidade levou a que fosse considerada para a classificação como Sítio da Rede Natura 2000, ao abrigo da Diretiva Habitats (Diretiva 92/43/CEE). Infelizmente este processo não foi concluído, por virtude da insuficiência dos estudos que na altura, no final dos anos 90, foram aqui realizados. Só recentemente se começaram a conhecer de forma mais completa os valores botânicos em presença e que hoje se reconhecem como únicos, albergando espécies Raras, Endémicas, Localizadas, Ameaçadas ou em Perigo de Extinção (RELAPE), de alto valor para a conservação, estando contempladas na Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental.
Nos últimos 20 anos, apesar desta área estar parcialmente fora do perímetro de rega de Alqueva, tem vindo pouco a pouco a ser ocupada por olivais e pomares e por uma primeira central solar fotovoltaica aí instalada recentemente.
As razões da nossa contestação
- O projeto que agora é apresentado incide sobre uma área de 750 hectares, precisamente toda a área remanescente do espaço da serra do Paço no concelho de Ferreira do Alentejo ainda não ocupado por agricultura intensiva e painéis solares.
- De entre a imensa riqueza florística da região ressalvamos os 8 núcleos com as espécies Micropus supinus (vulnerável); Onosma tricerosperma subsp. tricerosperma (criticamente em perigo) e Scorzonera hispanica var crispatula (quase ameaçada), identificados entre 2009 e 2019 e que são afetados diretamente pela implementação dos painéis, instalação da vedação, caminhos novos e faixa de gestão de combustível.
- Dado o elevado desconhecimento que ainda existe sobre a área e a dinâmica das suas espécies, existe um elevado risco de afetação de valores atualmente não identificados. A localização da serra do Paço, constituindo uma das zonas mais elevadas da região, com grande exposição visual, leva a que a sensibilidade da paisagem seja na sua maior parte elevada, como conclui o próprio EIA. A substituição das áreas naturais e seminaturais, agora existentes, constituirá mais um contributo à crescente artificialização da paisagem.
- O Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) coordenou um trabalho com vista à futura identificação das “Go-To areas”, ou seja, áreas preferenciais por terem menos condicionantes que possam incompatibilizar a instalação de unidades de produção de energia solar e eólica, indo a prioridade para as áreas já artificializadas: superfícies artificiais e construídas. Ao confrontarmos esta informação com a área escolhida para a localização da Central de Ferreira do Alentejo constatamos que o projeto se localiza totalmente fora destas áreas, um forte indicador de uma má opção de ordenamento.
- Como tem sido comum neste tipo de projetos, não foi apresentada alternativa. Sem a proposta de alternativas efetivas, a autoridade de Avaliação de Impacte Ambiental não tem matéria para efetuar uma comparação entre as soluções que são possíveis, pelo simples facto de que o promotor não admite a sua possibilidade. Se a autoridade de AIA aceitar a alegação de impossibilidade de alternativas estará a comprometer os princípios da precaução e da ação preventiva, enviesando o procedimento de avaliação.
A área da serra do Paço deveria merecer uma classificação enquanto área importante para a conservação da natureza
A dependência biológica de muitas das espécies aqui existentes relativamente ao substrato geológico subjacente não permite a sua existência noutros locais e não se compadece com a manutenção de pequenas bolsas e outras medidas que são propostas no EIA. É necessário que se conserve a globalidade desta área de modo a permitir a expansão destas populações, algumas delas de pequena dimensão, e assim garantir a capacidade de resiliência face a fatores naturais e outros que venham a afetar a região no futuro.
Esta área crítica para a conservação deveria ser protegida, contribuindo para o cumprimento da meta de proteção de 30% das áreas terrestres da União Europeia até 2030, definida na Estratégia para a Biodiversidade. Portugal está atualmente nos 22,4%, ou seja, ainda com um longo caminho para atingir uma ambição nacional também compatível e em linha com uma futura Lei do Restauro da Natureza.
Foi nesse sentido que a ZERO reuniu no dia 5 de março de 2021, com o município e com a equipa técnica da empresa responsável pela produção da versão revista do Plano Diretor Municipal (PDM) de Ferreira do Alentejo, alertando para a importância da preservação da área remanescente da serra do Paço.
Esperamos que as entidades competentes em matéria de avaliação deste estudo de impacte ambiental defendam a preservação desta área pois a aprovação deste projeto representaria um claro revés para a política de conservação da natureza em Portugal.
Fonte: ZERO