Quanto de nós já se deram ao trabalho de, por exemplo, decompor o preço de um vinho tinto reserva do Douro que é vendido em grandes superfícies a pouco mais de dois euros, como há alguns por aí? Se retirarmos o lucro do supermercado, o que acham que fica para pagar o custo das uvas, da vinificação, da rotulagem, da embalagem e do transporte?
Primeiro, vieram os ucranianos, muitos com curso superior, e nós tratámo-los mal. A maioria foi embora. Depois vieram romenos, marroquinos, moldavos e búlgaros e nós voltámos a tratá-los mal. Também ficaram poucos. Nos últimos anos, têm chegado paquistaneses, indianos, nepaleses, gente do outro lado do mundo disposta a fazer o trabalho que os portugueses recusam ou para o qual não existe mão-de-obra suficiente, e está a acontecer o mesmo. Até quando ficarão?
Estou a falar do Douro, não das estufas e do olival intensivo do Alentejo. Num lado e no outro, os problemas são mais ou menos os mesmos. O que difere é a escala e o conceito agrícola: no Alentejo é indústria agrícola pura; no Douro é uma monocultura de montanha, problemática por ser uma monocultura, mas ainda assim com a dimensão física e humana da verdadeira agricultura.
Boa parte da história do Douro também foi construída por bandos de pobres que trabalhavam muitas vezes quase só pela comida. Há vinhos do Porto grandiosos manchados de inumanidade. Basta ler o livro A vindima de Miguel Torga para se perceber a vida miserável do pessoal das rogas. Já no século XVIII, muitos dos trabalhos essenciais das quintas durienses eram assegurados por “empreitas” de galegos pobres e famintos. Trabalhavam de sol a sol e dormiam ao molho em cardenhos sem qualquer conforto. Quem de facto ganhava alguma coisa era o “empreiteiro”.
Ainda hoje é assim. Muitos produtores do Douro, como os empresários das estufas e dos olivais intensivos do Alentejo, contratam a mão-de-obra a empresas agrícolas, que cada vez mais recorrem a emigrantes. Alguns circulam entre as duas regiões e, muitas vezes, são controlados por outros emigrantes que funcionam como subempreiteiros. Os portugueses que iam
Pedro Garcias
Produtor de vinho no Douro