A Montis é uma associação de que sou co-fundador e fui seu presidente nos dois primeiros mandatos (os seus estatutos impedem a manutenção nos mesmo orgãos sociais por mais de dois anos, confesso que é uma norma cuja redacção me deixa insatisfeito porque quando a escrevi pensei que estava a escrever que não se podia estar em orgãos sociais da associação mais de dois mandatos, isto é, que não se podia transitar da direcção para o conselho fiscal, por exemplo, mas os advogados dizem que a norma diz que não se pode fazer mais de dois mandatos no mesmo orgão, razão pela qual, desde o início da Montis, eu acabo por ir saltitando de orgão em orgão, mas nunca mais voltei à direcção, nem tenho, neste momento, condições pessoais para isso).
A Montis foi feita tendo como inspiração a Associação Transumância e Natureza, hoje, Faia Brava, no que diz respeito aos objectivos centrais (gerir terrenos concretos com objectivos de conservação da biodiversidade), mas adoptando um modelo de gestão mais aberto institucionalmente e usando técnicas de gestão diferentes, essencialmente centradas na ideia de produção de biodiversidade a partir de terrenos que poderiam não ter grande valor desse ponto de vista, à partida, ao contrário da clássica atenção aos terrenos muito valiosos do ponto de vista de biodiversidade.
Já agora, a Rewilding Portugal nasce igualmente a partir da Faia Brava (embora num processo mais criativo, chamemos-lhe assim) e suspeito, nunca discuti o assunto com Manuel Malva, que também terá inspirado a Milvoz, qualquer das duas mais próximas da clássica conservação de sítios com interesse de biodiversidade que a Montis.
Desde o início que a questão da integração do fogo no modelo de gestão tem distinguido a Montis das outras abordagens, e logo em 2016, com a Montis fundada no ano anterior, arderam algumas das áreas geridas pela Montis (áreas da Altri Florestal, cuja gestão é cedida à Montis) e em 2017 ardeu o que era, então, a jóia da coroa da Montis, uns terrenos com carvalhal em recuperação que tinham sido comprados através de subscrição pública (crowdfunding, como se chama agora).
Em 2016, tendo ardido grande parte da Serra da Freita e serras envolventes, a Montis organizou um conjunto de passeios pedagógicos em que pretendia divulgar questões centrais de ecologia do fogo e da gestão do fogo enquanto processso ecológico fundamental (sem grandes resultados, os passeios foram tendo gente, mas sobretudo convertidos, entre outras razões, porque a generalidade do jornalismo e a generalidade do movimento conservacionista, nomeadamente os seus dirigentes, não têm interesse nenhum em conhecer o fogo porque já sabem tudo o que precisam sobre o assunto).
Em 2017, sendo um ano em que ardeu bastante eucalipto, criaram-se condições ideais para alavancar mais uma campanha contra o eucalipto.
Nesse ano, a grande novidade foi a demonstração do carácter invasor do eucalipto, que de facto se verificou pontualmente ao contrário do que era a informação científica sobre o assunto à época, mas que não tem nenhuma relevância face a invasoras agressivas como as acácias e as háqueas, porque eliminar eucaliptos não tem grande dificuldade técnica, logo, o seu papel como espécie invasora é marginal.
Ora a Montis passou completamente ao lado desse coro grego que, à revelia de toda a informação científica produzida sobre o assunto, pretendeu cavalgar a ideia de que os fogos, em Portugal, estavam muito ligados à excessiva plantação de eucalipto.
De resto, ao contrário da histeria emocional à volta do suposto desastre ambiental provocado pelos fogos de Verão (um mito persistente que será difícil erradicar, os fogos de Verão são um problema social sério e um problema económico sério, mas só pessoas preocupadas com a metafísica dos impactos ambientais potenciais é que consideram que há uma tragédia ambiental associada aos fogos em Portugal), a Montis optou, em 2017, por primeiro dizer que era preciso ter informação fidedigna, depois era preciso cruzar os braços até à Primavera seguinte, e depois desenhar programas de intervenção em função da avaliação do que estava em causa (tipicamente, riscos muito elevados de expansão de espécies invasoras agressivas, riscos moderados de regressão na recuperação dos solos que está a ocorrer e oportunidades de intervenção nos dez anos seguintes com baixo risco de incêndio de Verão).
Esta atitude de racionalidade tranquila trouxe, naturalmente, muitos dissabores à Montis, incluindo internamente, porque havia pessoas que queriam embarcar na histeria anti-eucalipto que chegaram a abandonar, na prática, a associação, havia quem quisesse cavalgar emocionalmente os fogos de 2017 para optimizar a angariação de recursos, e teve, sobretudo, um efeito externo relevante, com a campanha difamatória sobre a Montis, que persiste, de ligações menos claras com a indústria de celulose.
São opções de gestão, mas não me peçam a mim que, quando a vida demonstra a irracionalidade, ou pelo menos os limites, dos modelos de gestão alternativos em que muita gente se baseia para difamar a Montis, eu fique calado, oferecendo a outra face, lamento, não faço isso, não porque me incomode especialmente oferecer as duas faces, mas porque o silêncio cobarde face a mitos largamente dominantes sobre gestão do fogo (em que se incluem os mitos sobre o eucalipto) é cumplicidade com políticas erradas que matam gente.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.