Gosto de ir ao campo ao fim da tarde. Como dizia a avó Esperança, “vou para o campo à hora de vir”. As estradas estão mais calmas quando a maioria da população já regressou a casa e se prepara para jantar. A típica nortada que nos refresca as tardes também vai embora e fica a calmaria. Esse tempo calmo ao fim da tarde ou de manhã é o ideal para fazer a pulverização com o herbicida, porque assim o vento não leva o produto para os campos e culturas vizinhas. Há outras técnicas para evitar esse arrastamento, tais como usar bicos de pulverização anti-deriva e baixar a pressão do pulverizador.
O que pensarão as pessoas que passam por mim (ou pelo outros agricultores) na estrada ou nos vêem a pulverizar os campos? Pensam que estamos a cometer um crime, a destruir o solo e a matar toda a vida que existe nele?
Aqui na região já usamos herbicidas na cultura do milho há 50 anos e continuamos a ter toupeiras, minhocas e muitos outros bichinhos que toupeiras caçam as gaivotas provam quando acompanham as lavouras. O solo continua vivo e a produzir e os agricultores querem deixar o solo vivo para as próximas gerações.
O ideal era não ser preciso aplicar qualquer produto mas para colher temos de proteger as culturas. Algumas quase não precisam de tratamentos, como a erva, outras só precisam de uma aplicação anual de herbicida (e às vezes insecticida), como o milho, outras culturas exigem tratamentos semanais, como é o caso da batata ou das vinhas.
Para poder adquirir e aplicar agroquímicos temos que tirar um “curso de aplicador de produtos fitofarmacêuticos” e fazer um curso de reciclagem a cada 10 anos. Essa matéria já faz parte dos cursos de “empresários agrícolas” e dos cursos das escolas agrícolas e do Ensino superior agrícola.
Os pulverizadores têm que ser inspecionados e certificados a cada três anos.
Para receber a “autorização provisória de venda” (é sempre provisória) os agroquímicos são submetidos a uma série de testes e quando as autoridades percebem que um produto se está a espalhar na natureza ou a afetar fauna como as abelhas esse produto é retirado do mercado. Muitos já o foram.
Os pesticidas que utilizo são autorizados e comprados em estabelecimentos legais que tiveram de fazer obras, ter condições especiais de armazenamento e técnicos qualificados responsáveis. Muita gente que comprava e vendia pesticidas ficou impedida de o fazer.
Funciona tudo bem? Penso que acontece como no resto das atividades: a grande maioria cumpre mas há sempre algum prevaricador. Fazendo uma comparação, para conduzir, temos de tirar carta, comprar um carro, ter seguro e a polícia fiscaliza. A maioria cumpre, há sempre alguém sem carta a conduzir carros roubados e sem seguro, mas não condenamos os outros condutores ou os automóveis por causa disso.
Um ponto importante: “a dose faz o veneno”. O facto de haver “vestígios” de uma substância não quer dizer que seja perigoso consumir ou que tenha havido um tratamento. Pode ter sido uma contaminação de outra fonte (já foram encontrados vestígios de pesticidas nos ursos polares, devem ter lá chegado pelo ciclo da água), mas pode ser um valor insignificante. Ou pode ser importante e perigoso. Por isso é que existem os “limites máximos autorizados” de resíduos, as análises regulares e as fiscalizações.
Um alerta importante: os pesticidas podem ser de origem sintética ou natural, podem ser mais ou menos tóxicos para o ambiente, podem ser mais ou menos persistentes, mas são sempre tóxicos de alguma forma para a “praga” que se procura combater e quase sempre para mais alguma coisa, mesmo que seja uma mistura caseira de produtos. Nem tudo o que é natural é bom. Veneno de cobra e cogumelos venenosos são produtos “naturais”.
Não devemos facilitar só porque um produto é “natural” ou autorizado para agricultura biológica. Se tem escrito no rótulo um “Intervalo de segurança” de alguns dias ou semanas, devemos respeitar esse prazo em que não podemos colher ou consumir.
#carlosnevesagricultor
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.