Temos hoje no nordeste algarvio uma economia agroflorestal digna desse nome? Temos hoje uma multifuncionalidade e pluriatividade dignas desse nome?
O nordeste algarvio é um bom exemplo de aplicação contraproducente de uma política pública, no caso, a PAC nas suas várias dimensões, mas, também, diga-se em abono da verdade, da política de desenvolvimento regional.
Com efeito, no último quarto de século aplicámos todo o tipo de medidas de política no território do nordeste algarvio, a saber, programas integrados de desenvolvimento rural (PIDR), os centros rurais, o programa nacional de combate contra a desertificação, as medidas agroambientais e agroflorestais da reforma da PAC de 1992, o programa Leader de desenvolvimento rural, os programas de desenvolvimento rural dos vários quadros comunitários de apoio (QCA), os programas operacionais regionais da região NUTS II do Algarve, os programas de cooperação transfronteiriça.
Em todos os casos, o nordeste algarvio resistiu, como se quisesse dizer que o seu problema se transformou numa doença crónica à qual têm de se submeter todos os peritos da engenharia política do território.
Entretanto, passaram trinta anos sobre as medidas de acompanhamento da PAC de 1992 e praticamente vinte e cinco anos sobre as compensações ao rendimento concedidas ao abrigo do regulamento comunitário 2080 (agrofloresta) incluído nessas medidas de acompanhamento.
Aqui chegados, pergunto, temos hoje no nordeste algarvio uma economia agroflorestal digna desse nome? Temos hoje uma multifuncionalidade e pluriatividade dignas desse nome? Interrompemos o círculo vicioso de desertificação e despovoamento? Ao menos, turistificámos o interior remoto e o Baixo Guadiana? Em matéria de cooperação transfronteiriça, fizemos progressos dignos desse nome? Já temos a navegabilidade do Guadiana assegurada até Alcoutim? E a serra do Caldeirão, já está livre do risco de incêndio?
Infelizmente, as respostas não são satisfatórias. Fizemos, apenas, alguma política de mitigação e remediação e não podemos afirmar que invertemos a tendência longa do nordeste algarvio.
E, no entanto, nos próximos vinte anos, as medidas agroambientais, agroenergéticas e agroflorestais no nordeste algarvio e em toda a sub-região do barrocal-serra continuam a fazer sentido, por maioria de razão devido às alterações climáticas, à regeneração dos solos, à transição energética, ao sequestro do carbono e ao abastecimento de recursos hídricos na região, mas precisam de ser reenquadradas num outro modelo de desenvolvimento do nordeste algarvio e barrocal-serra, um modelo que abranja todo o sotavento algarvio e que recupere a multifuncionalidade agro-silvo-pastoril por via de uma nova geração de pagamentos ambientais pela prestação de serviços de ecossistema.
Sem esta associação entre multifuncionalidade agro rural e pagamento de serviços será o definhamento inelutável do nordeste algarvio.
Este exemplo do nordeste algarvio poderia ser estendido a outras sub-regiões do país e ilustra bem o cuidado que é preciso ter com as condições de formulação e as condições de realização de uma política pública ou, mais propriamente, com a convergência e a integração de medidas de políticas num determinado território.
É neste contexto e na sequência dos grandes fogos de 2017 que surge o Programa de Transformação da Paisagem (PTP) criado pela Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 49/2020 de 24 de junho. Pela sua importância para o desenvolvimento do interior, trago ao conhecimento dos leitores algumas passagens dessa Resolução.
“Os espaços florestais, área arborizada, matos e pastagens, que ocupam quase 70% da área terrestre de Portugal continental, constituem um elemento vital da paisagem rural e de sustentação e conectividade dos ecossistemas, além de uma âncora económica, ambiental e social dos territórios e da sua memória coletiva. Desempenham um papel determinante para o sequestro de carbono, indispensável para que Portugal possa atingir a neutralidade carbónica em 2050 e cumprem, ainda, um importante papel na regulação dos diferentes ciclos naturais.
Não obstante, em parte significativa destes espaços florestais, as características físicas, como o relevo ou solos pobres, o acentuado despovoamento e envelhecimento da população, e consequente abandono do modelo agro-silvo-pastoril, a par de uma extrema fragmentação das propriedades, determinam um quadro marcado por extensas áreas florestais de monocultura, a sua maioria não geridas, que, em presença de condições atmosféricas adversas, atingem níveis de perigosidade de incêndio extremo, pondo em causa pessoas, animais e bens, incluindo património natural e cultural.
Para estes contextos, impõe-se desenvolver respostas estruturadas e sustentáveis ambiental e financeiramente de forma a aumentar a sua resiliência socio-ecológica e contribuir para o seu desenvolvimento integrado, a partir do reordenamento da paisagem, conjugada com um mosaico agrícola, agroflorestal e silvo-pastoril, capaz de prestar diversos serviços ambientais e de sustentar as atividades económicas que lhes estão associadas, reduzindo significativamente a severidade da área ardida.
Para o efeito, é fundamental […]