Ajudando os meus vizinhos, voltei esta semana a sentir o cheiro fresco da silagem de milho recém-cortada. Em 2020 isto é um ótimo sinal, porque a perda de olfato é um dos sintomas do Covid.
Apesar da silagem ser uma tecnologia “recente” em Portugal, sabe-se que egípcios, romanos e europeus medievais já usavam esta forma natural de conservar as plantas para alimentar os animais ao longo do inverno. Cá na família, foi em 1957 que o meu pai construiu os primeiros silos, verticais, então só para guardar a palha de milho, depois de retirada a espiga. Alguns anos mais tarde, quando se começou a ensilar milho com espiga, as “jornaleiras” que vieram ajudar ficaram espantadas e revoltadas porque o povo ia morrer à fome sem o pão de milho que era a base da alimentação. A planta de milho era cortada manualmente, transportada em cestos para o silo, calcada também manualmente e depois retirada por umas janelas diretamente para a manjedoura das vacas. Uma trabalheira, portanto. Depois o meu pai adaptou uma forma de usar a força do trator para mover essa geringonça. Mais tarde, em sociedade com 2 vizinhos, comprou a primeira “máquina de ensilar”, uma “kemper” e construiu o primeiro silo trincheira. Uma das primeiras memórias que tenho com trator é de ir ao colo do meu pai a cortar silagem, devia ter 5 anos, com um ford 3000 trocado em 1980 pelo Massey Ferguson 265 com que ensilei depois muitos anos. Entretanto acabou a sociedade e cada um comprou a sua máquina. Nessa altura o meu pai comprou uma Krone, de uma linha, com um tambor que rodava o milho para cair num tapete de lona do lado traseiro da máquina. Nesse tempo a silagem exigia-nos “abrir caminhos à foucinha” antes de poder entrar com o trator (não se deixavam caminhos de rega no meio dos campos) e meter esse milho “à posta” para dentro da maquina – trabalho duro e moroso, agravado num ano de inverno precoce que nos obrigou a cortar dois lameiros assim, com a foucinha e levar manualmente para a maquina. Foi com essa máquina que comecei a ensilar. Como eu ainda era pequeno a minha mãe andava comigo no trator a ajudar e o meu pai transportava a silagem. No silo, outra trabalheira, a silagem era espalhada com ancinhos e forquilhas antes de ser calcada com o trator que , aprendemos todos mais tarde, também serve para espalhar.
Em 1986 comprámos uma “claas jaguar 25”, máquina com outro rendimento, boa para apanhar milho caído, tombado pelos temporais, mas que me dava um trabalho enorme a tirar os bicos e engatar de topo cada vez que mudava de campo, por causa dos caminhos e entradas estreitas. Outra dor de cabeça era desentupir a máquina quando empapava. Numa das campanhas, o disco de afiar as facas estava desalinhado em relação à mesa de corte e, quanto mais afiava, pior ficava, mas só me apercebi disso no fim, depois de desentupir a máquina 42 vezes…
Era com essa máquina que andava a ensilar a 11 de setembro de 2001, quando caíram as torres gémeas em nova Iorque. Nesse ano já só ensilei um campo mais distante com essa máquina, porque desde o ano 2000 que passámos a recorrer à prestação de serviço de corte de silagem com automotriz. Nessa altura os vizinhos receberam a “novidade” com críticas e desconfiança, mas rapidamente se renderam e aderiram. Agora fazemos num dia o que demorava um mês antigamente. E como estas grandes máquinas exigem vários reboques para o transporte, voltámos às “sociedades”, recordando e renovando o antigo convívio das desfolhadas, que este ano tem de ser com as medidas de segurança anti-covid.
PS (a quem não é agricultor): Nesta colheita de milho para silagem, como de costume, é possível que as máquinas façam barulho após o por do sol, que os tratores levantem pó ou levem alguma lama para a estrada, que algumas folhas secas voem do reboque e que os muitos reboques, tratores e maquinas na rua provoquem alguns atrasos no trânsito. Pedimos a vossa compreensão e paciência. Estamos a trabalhar para vos alimentar!
#carlosnevesagricultor