Foi inovando que o fundador José Maria da Fonseca lançou as bases para o sucesso dos vinhos Periquita, uma marca que está à mesa dos portugueses desde 1850 e que hoje exporta para 70 países. Manter viva a transformação na empresa, com respeito pela longa história mas evitando que esta fique congelada no passado, é o desafio que já mobiliza a 7.ª geração da família.
O portão castanho abre lentamente, como que a criar suspense. A vista que esconde por trás é deslumbrante: são os 18 hectares da vinha Pasmados, no coração da Arrábida, a oeste de Azeitão, com a imponente serra em pano de fundo e sem sinais de construção humana a perturbar a paisagem. A vinha é uma das seis que a José Maria da Fonseca (JMF), empresa fundada em 1834 e casa mãe dos vinhos Periquita, possui na península de Setúbal. No início de todas as carreiras de videira estão plantadas roseiras, algumas já em flor, embelezando o cenário. O objetivo é simplesmente decorativo ou tem outra finalidade? “Neste momento, a função é sobretudo de decoração. Mas, antigamente, numa tradição que começou em Bordéus e remonta ao final do século XIX, existia a ideia que alguns fungos que estragavam as colheitas, como o míldio, atacavam primeiro as roseiras. Se estas tivessem problemas, isso era um sinal de alerta para a vinha. Hoje já temos outras ferramentas que nos permitem antecipar e evitar esse tipo de situações”, explica Paulo Hortas, diretor de enologia da JMF.
Uma dessas ferramentas é um arame cor de tijolo, colocado na videira, tão discreto que só reparamos nele quando nos chamam a atenção para tal. Há uma traça na vinha que deposita os ovos na altura da floração e quando a larva se desenvolve acaba por destruir completamente os cachos de uva. O que aquele pequeno engenho faz é libertar uma feromona e o seu odor confunde os machos impedindo-os de encontrar as fêmeas. Sem esse encontro não há ovos. Nem estragos, portanto. “Esta foi a primeira vinha em Portugal a usar esta técnica. A forma tradicional de resolver o problema era aplicando inseticida, que é cego e acabava por matar outros insetos que até ajudavam à saúde da vinha. Uma das grandes características da indústria vitivinícola é ser, talvez, a que alia mais fortemente a tradição com a evolução tecnológica. Isso ajuda a explicar a razão de mantermos as roseiras ali. Além da função decorativa, é uma forma de respeitarmos a tradição”.
Ora, conseguir equilibrar o respeito pela história e a necessária modernização acaba por ser um trabalho permanente, mas fundamental, para garantir a saúde financeira de um negócio tão antigo e que está nas mãos da mesma família há sete gerações. António Maria Soares Franco (marketing e vendas) e Sofia Soares Franco (comunicação e enoturismo) são irmãos e fazem parte dessa 7.ª geração que administra a JMF, juntamente com o pai, António Soares Franco (presidente), o tio Domingos Soares Franco (vice-presidente e responsável pela enologia) e um primo, Francisco Soares Franco (produção, qualidade e enologia). Recebem o DN em Vila Nogueira de Azeitão, na casa museu da JMF. Um espaço que foi em tempos casa de família dos Soares Franco e que hoje deposita muita da história do vinho Periquita, o primeiro a ser engarrafado em Portugal, em 1850.
António Maria reconhece que a antiguidade no mercado é uma mais valia para a marca, mas, por si só, é insuficiente para garantir o sucesso da casa: “Ter história é importante, é uma vantagem, mas é preciso que não fique a cheirar a mofo e a ganhar pó. Para isso, a marca tem de se ir atualizando, permanentemente, quer a nível do perfil do vinho quer em termos de embalagem, rotulagem e forma de comunicar. Portanto, é muito importante ter a história, mas também é importante não a deixar ficar parada no passado e poder contá-la, hoje, de uma forma que seja moderna e mais adequada aos nossos tempos. Julgo que o estamos a conseguir fazer”.
Um dos caminhos escolhidos para alcançar esse objetivo foram as campanhas “À nossa mesa desde 1850” e, mais recentemente, “Nas Bocas do Mundo”, que revisitam alguns momentos históricos nacionais e internacionais mostrando que, à data dos acontecimentos, já o Periquita era servido tanto por cá como no estrangeiro. “Numa altura em que nós, portugueses, cada vez temos mais orgulho nas nossas tradições, na comida, nos vinhos, na natureza, nas praias, se há marca que pode falar da portugalidade é o Periquita porque está na mesa dos portugueses há 172 anos. Faz parte da nossa cultura, da nossa refeição e dos nossos convívios com amigos desde 1850. Isso é muito importante para nós enquanto marca”, frisa António Maria, 45 anos.
A presença internacional é outra aposta da campanha. 60% da produção dos Periquita é para exportação. Chega a cerca de 70 países diferentes. Os maiores mercados da marca dificilmente poderiam ser mais diferentes. Um fica na fria Escandinávia, o outro tem clima tropical, na América do Sul: Suécia e Brasil. “Todos os anos lutam para ver quem fica em primeiro lugar. Na Suécia estamos há mais de 40 anos. Para quem não sabe, é um mercado que é monopólio de Estado, a venda de álcool é feita nas lojas do Estado, que é quem decide as marcas a comercializar. A verdade é que o Periquita só está lá há tanto tempo porque os suecos se habituaram a gostar do nosso vinho. Já no Brasil o Periquita é um ícone dos vinhos e conseguimos estar em todas as regiões do país [é exportado para lá desde 1881]. No Brasil há um enorme carinho pelos vinhos portugueses e uma perceção da sua qualidade que bate outros países produtores. É por isso um excelente mercado, mesmo para os vinhos de preço mais elevado, sendo também um país onde o trabalho de promoção está mais facilitado e avançado. Singrar em países tão diferentes como o Brasil ou a Suécia é o melhor testemunho da versatilidade que o Periquita tem para se adaptar […]