No âmbito do projeto LIFE TogetherFor1.5, apoiado pela Comissão Europeia, a ZERO acompanha a implementação do Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC). Uma das formas de o fazer é utilizando a ferramenta de monitorização NECP Tracker, que permite visualizar a trajetória das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) necessária para cumprir as metas estabelecidas no plano.
De acordo com os últimos dados, referentes a 2023, Portugal estava numa trajetória de aparente alinhamento com a redução de 55% das emissões até 2030 (face a 2005). No entanto, a ZERO expressa apreensão diante da evolução recente das emissões nos setores de transportes, produção de eletricidade, agricultura e resíduos.
Segundo o mais recente inventário de emissões da Agência Portuguesa do Ambiente, as emissões de GEE em 2023, sem considerar as alterações de uso do solo e floresta, totalizaram 53,3 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (Mt CO2e), o que representa uma redução de 5,6% em relação a 2022. Essa diminuição foi principalmente impulsionada pela continuada descarbonização do setor das indústrias de energia, que registou uma redução de cerca de 30% em comparação com o ano anterior. No entanto, esse decréscimo mascara aumentos nas emissões em áreas que ainda estão desalinhadas com as trajetórias necessárias para cumprir as suas metas.
Setor dos transportes, agricultura e resíduos fora de trajetória
O subsector do transporte de mercadorias e passageiros por via terrestre está com emissões bem acima da trajetória necessária compatível com a meta, apresentando mesmo emissões crescentes, com um aumento de 7% em 2023 em relação ao ano anterior. O setor dos transportes na sua totalidade já representa um terço – 34% – das emissões nacionais, correndo o risco de reverter a tendência de redução das emissões e comprometendo o cumprimento das metas. Esta situação preocupante constitui, ademais, um enorme contributo para o grau de dependência e vulnerabilidade energética do país, ao mesmo tempo que é fonte permanente de instabilidade nos preços e responsável por uma enorme variedade de impactos sobre a saúde dos portugueses.
Para agravar, segundo os indicadores mais recentes de 2025, o consumo de combustíveis rodoviários subiu 1,5% no ano-móvel terminado no mês de julho, o que indicia uma nova subida das emissões neste setor, que deveriam reduzir-se em cerca de 7%. O facto de não estarem previstas medidas de rápido efeito no terreno, como poderiam ser o investimento de 15% das receitas dos impostos rodoviários (ISP, IUC e ISV) na subsidiação da eletrificação de veículos de uso intensivo, agrava a situação.
Quanto ao setor da agricultura, tem apresentado há mais de uma década emissões muito acima da trajetória compatível com os objetivos do PNEC para 2030, – teve emissões crescentes entre 2011 e 2021, tendo-se observado uma ligeira queda nos anos de 2022 e 2023, que se deveu a uma situação conjuntural de diminuição do efetivo pecuário e não a uma alteração estrutural de políticas.
E a gestão de resíduos também tem mantido emissões aproximadamente estáveis, quando deveriam estar a ser fortemente reduzidas. Embora não tão significativos como o setor dos transportes, os setores da agricultura e dos resíduos também têm um peso considerável nas emissões nacionais, com 13% e 11%, respetivamente. A evolução das emissões nestes dois setores exige pois atenção urgente, não só para garantir o cumprimento das metas específicas, mas também para permitir alcançar a meta global de redução de 55% até 2030, em comparação com 2005.
Emissões da eletricidade invertem tendência de descida
Mesmo o setor da produção de eletricidade, embora tenha sido o que alcançou maior redução do seu impacto climático na última década – representou apenas 11% das emissões nacionais em 2023 –, também está em risco de deixar de compensar os outros setores e passar a contribuir para o desvio em relação à trajetória. Desde o início do ano, o consumo de gás para produção de eletricidade aumentou para mais do dobro (+135,9%) em relação ao mesmo período de 2024, com maior expressão após o apagão, e ainda não voltou aos níveis anteriores.
Além disso, a nova capacidade instalada de geração solar e eólica, centralizada e descentralizada, está aquém do que foi verificado no ano passado. Este cenário torna incompreensível o atraso de mais de um ano no início da Avaliação Ambiental Estratégica às áreas de aceleração de renováveis, que deveria consensualizar as áreas aptas para a instalação destes projectos. Por outro lado, é urgente que o sistema de incentivos seja reforçado, especialmente para apoiar a produção descentralizada em áreas já artificializadas, por meio de comunidades de energia e de mobilidade, tanto a nível residencial como industrial.
Incêndios complicam o caso
Acresce que este ano é aquele em que se verificou maior área ardida desde 2017, tendo o país permitido que em 2025 já tenha ardido quase toda a área que se estabelecia que ardesse para a totalidade desta década no Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR). Trata-se de situação que constitui uma dramática fonte de emissões e pode prejudicar de forma extremamente significativa a capacidade vindoura de sumidouro do país, e por conseguinte as suas possibilidades de atingir a neutralidade climática em 2040 ou o mais tardar em 2045, como previsto na Lei de Bases do Clima. Ou seja, o desmesurado crescimento da área ardida torna ainda mais urgente redobrar os esforços de redução de emissões nos diferentes setores da economia.
Políticas e medidas no plano não são suficientes para atingir metas propostas
De acordo com o PNEC 2030, as projeções de emissões com medidas adicionais às antecipadas (WAM – With Additional Measures) não são suficientes para atingir as metas propostas em alguns setores, o que revela, à partida, a necessidade de reforço de políticas e medidas em alguns setores.
No NECP Tracker é possível visualizar também trajetórias com medidas adicionais – por exemplo, no setor dos transportes, o NECP Tracker antevê com medidas deste tipo uma redução de 30% de GEE, quando a meta de redução é de 40%; no setor da agricultura estes valores são de 6% e 11%, respetivamente; ou seja, mesmo com medidas adicionais o cumprimento dos objetivos é difícil.
A próxima proposta de revisão do PNEC será submetida pelo Portugal à União Europeia apenas em 2029, a um ano do prazo previsto para cumprimento das metas, e, portanto, nesse momento já não será possível um reajuste com efeito suficiente até 2030. Por isso, a ZERO alerta que é essencial atuar já com políticas e medidas muito ambiciosas e eficazes que realinhem as emissões dos diversos setores com uma trajetória de redução compatível com as metas do PNEC 2030.
Fonte: ZERO